CRÔNICAS BONAERENSES (70º dia) - O segredo da vida!
- Não, obrigado. Já bebi que chegue.
Eu respeito quem sabe dizer isso na hora certa. Pois chegar num lugar decidido e não beber nada é muito fácil. Ficar bebendo até as cadeiras serem colocadas nas mesas, a música ser desligada e o dono começar a trancar as portas também. O difícil, o mais difícil, é o meio termo. Este é o segredo da vida.
O segredo da vida é a moderação. Tu podes fazer quase tudo, comer a carne mais gorda, ir a festas, beber leite com ureia, praticamente tudo se tu sabes fazer isso moderadamente. Escolher o caminho da penitência da abstinência completa é fácil e às vezes faz bem por um tempo, mas ainda te torna dependente. Sim, pois tu és dependente de não ter aquilo pra se divertir, que é tão ruim quanto precisar daquilo pra se divertir.
Eu tenho esse problema quando começo a beber. Se tenho 50 pesos ou 300 pesos na carteira, vou voltar sem nada. Se estou numa festa, me sinto pelado se não tenho um copo na mão. Uma frase que define bem minha vida vem de uma música da banda argentina Turf: “No reconozco el punto justo donde hay que frenar”. É algo preocupante. É algo que tenho trabalhado. Às vezes não me importo em não beber, mas às vezes quero degustar alguns chopes artesanais e fernet com coca-cola. O único caminho que encontrei para me policiar foi o problema financeiro. Saio de casa com dinheiro justo para tomar duas pintas de cerveja e para a condução. Assim tenho conseguido me controlar, pois nada mais chato que um borracho cuspindo no teu ouvido na festa.
Noto que as pessoas aqui têm um comportamento diferente. Elas não se importam muito em estar bebendo. Chegam, conversam, pensam no que vão pedir. Depois tomam uma cerveja, mesmo se o lugar for chique, não importa se for a mais barata. Não ostentam. E a cerveja fica ali, muitas vezes esquentando. Depois que terminam, ainda ficam quase uma hora batendo papo, o copo vazio à frente, a conversa rolando e o garçom nem bola. Então, depois de muito tempo, pedem a conta. Pagam, deixando uma grana de gorjeta, e saem para tomar sua condução, ainda sóbrios.
E não são apenas os argentinos. Já saí com ingleses, belgas, irlandeses, alemães, franceses, colombianos, chilenos, finlandeses, e todos têm o mesmo comportamento. Por que bebemos tão rápido? Por que temos essa dependência do copo na mão?
Sentei num café bonaerense e analisei. No balcão, duas jovens de bons dotes físicos conversavam sobre o dia, sobre a amiga do trabalho, sobre o carinha com quem uma delas está saindo... o copo ali, parado, sentado no balcão como se fosse uma peça de arte, um objeto decorativo. Me deu uma dor no coração. Aquela bela pinta de cerveja artesanal tipo Ale ali, esquentando, esquentando, esquentando!!! Girei a cabeça pra trás. Dois senhores, bem tradicionais argentinos, bem vestidos, elegantes, com duas copas de vinho na mesa. A conversa vai, a conversa vem. Deviam falar da política, relembrar dos tempos antigos, da próspera vida em Buenos Aires de outrora. Uma bicada na taça e ela voltava pra mesa, eles voltavam pro passado. Eu voltava minha cabeça para outra mesa, esta cheia de jovens. Uma garrafa de litro de Quilmes no centro. Os copos pela metade. Risadas, conversas, gritos às vezes. Beber que é bom, muito pouco.
Voltei pra minha mesa. Minha pinta de cerveja artesanal ainda geladinha e cremosa. Mexi nos amendoins, evitando beber mais um gole. Dei uma lida no cardápio outra vez. Entrei no facebook pelo celular. Tentei evitar, mas não deu! Não posso! Não posso ver aquela cerveja esquentando, não posso ver o colarinho baixando, o suor descendo pela boca do copo até formar um círculo na mesa. Não posso. Tomei tudo em dois ou três goles e pedi a conta.
A garçonete foi até minha mesa e perguntou, em castellano:
- O cavalheiro já vai? – Gosto quando me tratam de cavalheiro – Não vais tomar mais uma pinta de cerveja artesanal? Talvez uma Honey Beer? Está bem concentrada hoje, amarga,e...
Interrompi-a e, com muito esforço e dedicação, empertiguei-me e disse em castellano:
- Não, obrigado. Já bebi que chegue.
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Esses dias li uma notícia sobre o prefeito do Rio de Janeiro onde ele promete suicidar-se se a Argentina for campeã da Copa do Mundo (http://www.guardian.co.uk/world/2013/jun/10/rio-mayor-dream-world-cup-olympics). Cara, ridículo essa rivalidade Brasil-Argentina criada pela Globo e que fez uma lavagem cerebral na cabeça fraca dos brazucas.
Esses dias, estava eu sentando em uma mesa de bar, cercado de argentinos, e fiquei só ouvindo uns amigos porteños que estava comentando sobre a Copa das Confederações que se acerca. Daí alguém diz "..imagina se chega a uma final Brasil x Uruguai no Maracanã? Vai ser uma guerra! Por que, para os brasileiros, desde 1950, Brasil x Uruguai é o clássico deles! Quase como nosso Argentina x Inglaterra".
O grande clássico, pros argentinos, é Argentina-Inglaterra, mesmo que o Galvão Bueno diga que Brasil-Argentina é o maior clássico do mundo, eles estão cagando pra esse jogo! O clássico dos brazucas não deveria realmente ser contra Uruguai, Itália ou França? Não. Por que, para os brasileiros, é difícil ganhar destes países, a história mostra. E brasileiro tem medo de perder clássico. Assim, a Globo elegeu um clássico sem história e sem tradição, que acaba gerando uma rivalidade desnecessária, e alguns brazucas mais fanáticos levam isto tão ao pé da letra que acabam perdendo de conhecer uma cultura maravilhosa que é a argentina.
Brasil-Argentina é clássico só pra um lado. Mas espero que o Eduardo Paes cumpra sua promessa quando Messi levantar a Copa no Maracanã.
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¿Qué pasa, Fábio?
Como todos sabem, o planeta Terra segue dando voltas em torno do sol. Assim que este ano, como todos os anos, eu vou fazer aniversário. E este ano, depois do cancelamento da edição 2012 por motivos óbvios, teremos a Open Grehs™ voltando em 2013, na sua quinta edição. A primeira em Buenos Aires. A primeira internacional. Farei um pocket show de violão e voz tipo umas 21h. Depois começa a festa karaokê, com o músico Alejandro Heger, tocando na guitarra e com auxílio do computador, qualquer música que tu queiras cantar! O dia é o dia do meu nascimento, logicamente, o lugar é o El Hábito Bar e o chope sai por 18 pesos!!! Estou pensando em algo para tornar a data mais Open Grehs™... ampliaremos! Aguardem!
Quando saí de Porto Alegre e decidi morar aqui, também decidi que não queria mais trabalhar na noite. E “na noite” que eu digo não é no período em que não há luz solar. “Na noite” seria com produções de festas, de shows, discotecagem, trabalhar em bares, pubs, etc. Nada que me fizesse voltar àquela vida notívaga, desregrada e ébria. Não mais! Decidi que um emprego em um hotel seria de bom gosto. Falo algumas línguas, sei lidar com o público, gosto de mexer em programas organizacionais de computador... Comentei com meu amigo Paulo Germano, no Shamrock de Porto Alegre, semanas antes de vir pra cá. Concordamos que era uma boa mudança de ares. Logo, a melhor notícia que, com muito orgulho comento nesta crônica bonaerense, neste espaço acerca do que passa comigo, é que estou trabalhando num hotel boutique conceituado aqui na Capital porteña! É um início! Experiência? Tenho pouca. Vontade? Tenho muita. Estou praticamente fazendo um curso de hotelaria remunerado! Como diria Joaquín Levinton, “pagaría por hacerlo, pero encima hasta me pagan”. Com sorte (não, sorte não), digo, com trabalho, em um mês terei currículo e conhecimento suficientes pra crescer no local ou buscar outros, mas o fato é que me encontrei no ramo hoteleiro. Mas sigo buscando bares para tocar na noite bonaerense, pois, como afirmam grandes pensadores e escritores – dos quais sou grande fã –, o Schopenhauer e o Nietzsche, a música é a mais elevada de todas as artes e é a mais nobre forma de expressão do ser humano.
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Dica da semana:
Sebos e livrarias da Av. Corrientes (http://guiacorrientes.com.ar/librerias-en-corrientes/) – Estou numa fase de economia até receber meu primeiro salário. Também estou numa fase de leitura para melhorar meu castellano. Portanto, minha dica não poderia ser outra. Passear pela Av. Corrientes não é só olhar para cima, para os grandes teatros, para o Obelisco... se olhares ao teu redor, vais encontrar muito livro bom e barato, seja nos grandes sebos que ficam abertos até de madrugada, seja nas bancas de revistas, ou seja no pomposo Ateneo (Santa Fe, 1860, a algumas quadras da Corrientes), um teatro transformado em livraria e cafeteria. Veio pra cá? Não deixe de ir lá!