Pedro, Antônio e João Aborrecidos
Beligerância. Truculência. Agressão. Repressão. Perturbação da ordem. Termos que não teriam o menor sentido em sociedades tribais remotas, que certamente existiram, onde não devia haver desencontros. Onde as pessoas se abraçavam sem suspeitas. Mas com seus peitos. Todos sujeitos a uma aura natural que os remetesse ao prazer, ao bem estar social. Expressão que também não existia. Embora a materialização da ideia, sim. Tudo porque tudo pertencia a todos, apesar das inevitáveis lideranças.
O que não tem hoje a mínima chance de acontecer. Qualquer que seja o sistema político vigente, e todos os seus “ismos”. Incluindo-se o anarquismo, teoricamente a situação ideal. Onde cada um faria o que quisesse. Mas, ao que parece, uma solução capenga, porque depende, cada vez mais, daquilo que não acontece. Solução provavelmente também inexistente numa comunidade tribal ideal. Onde a ideia do que todos fariam, do mesmo modo a todos pertenceria. Não sendo exclusividade de qualquer um.
Não se tem a pretensão de acertar. É mais certo, sim, a de delirar.
O que aconteceu ontem no Rio, em São Paulo e outras capitais, o que já tinha acontecido em Floripa, com incêndios de ônibus e depredação de bens públicos ou privados, nos sugere a explosão do que já vinha em gestação. Precipitada talvez pela concentração desses megaeventos. Que, ao invés de entretenimento, acabam por desanimar a parte maior da população. Que já não podia pagar muita coisa. E que não vai poder pagar o alto preço dos ingressos para as partidas de futebol ou outras competições esportivas. Que possivelmente não se emocione tanto com a visita de um Papa que apertou a mão do Videla, que causou tantas sequelas no povo argentino.
Pode-se argumentar que certamente a parte maior da população não tem conhecimento disso. E é verdade. Só que hoje as coisas se transmitem pela pele. Pois estamos todos despidos. E fica difícil se esconder. Sobretudo num momento em que a espionagem eletrônica tem a capacidade de traçar, com boa exatidão, o perfil de quem você é.
O que dizer de um ex-presidente apertando a mão de um político famoso por suas malversações do dinheiro público, quando já tinham sido ferrenhos inimigos? O que dizer de um grupo no governo se aliando a grupos antagônicos para se manter no poder? Será que o lixeiro, o copeiro, o manobreiro de um estacionamento VIP não sabem disso? Ou não descobrem, quando vão tomar o ônibus para o trabalho com a passagem aumentada?
Hoje, quando alcançamos em algumas horas pontos que eram alcançados em meses, tudo se descobre. E, de certa forma, “o vento que venta lá (para as forças que dominam) é o vento que venta cá (para os grupos dominados)”. Pelo menos em termos de conhecimento. Daqui a pouco, em termos de discernimento e conscientização.
O que fazer então? Vamos delirar. Talvez a palavra seja: conciliação. Os que comandam deviam procurar detectar a bolha em expansão antes que ela explodisse. Para isso seria preciso reduzir o fosso entre eles e seus comandados. Numa incansável tentativa de tornar a água desse fosso cada vez mais cristalina.
Rio, 18/06/2013