Itinerário Passional de Camaragibe
Tudo começa ali, no bairro do Timbí. Há um clima no ar, um tônus na atmosfera, como se a pele do mundo fosse de uma maciez aguda e conspícua. Talvez suas árvores. De minha vista mais remota havia umas enormes. Ora denominadas de barrigudas. Ficam, ainda existem. Na margem da Avenida Belmino Correia. Frente onde era o antigo bar O Cabeçudo. Na verdade não era mesmo um bar. Era um prostíbulo. Tenho minha infância marcada por ele. Suas prostitutas maquiadas e arrumadas nas calçadas. Seus perfumes. E engraçado era eu atendê-las, com curiosidade e espanto, no bar de Seu Euclides. Ou Seu Ocrido. Como muitos falavam. Este era meu avô. Figura forte. Com rosto sisudo. Palavras firmes e olhar sereno. Calças com cinto acima da cintura. Ele as vezes saía e me deixava tomando conta. Em pagamento me dava uma caçulinha. Um refrigerante pequeno de sabor de guaraná. Ou ainda, uma Crush ou Fratelli, acompanhando um pão doce. Este bar era vizinho e de propriedade de minha Bisavó Iaiá, que além de residir ao lado possuía A Escola de Datilografia Santo Antônio encostada. Onde fui aluno e depois professor. A casa de minha Bisavó, respirava passado. Fotos antigas. Radiola, discos, pensamentos. Era lá que passava horas a fio conversando com minha Vó, Dona Lenira, também professora. Esta tinha um pensamento ágil, uma agudez de espírito, uma rapidez de resposta fora do comum. Devo a ela muitas de minhas palavras. De minhas contas de matemática.
Neste lugar repleto de sentimentos e memórias, ficava por horas, vendo os carros passarem. Indo e vindo infinitamente. Os que iam eram meus. Os que voltavam eram do meu irmão. Melque, o mais velho ou o Nenê, o caçula.
No Timbí mesmo foi que quebrei o braço na grama da Prefeitura, brincando de briga de galo. Que dor da bexiga lixa. Brincadeira besta, onde fica um na corcunda do outro pra derrubar outra dupla. Tomei no papeiro, estava em cima das costas de Melque e caímos e eu confiei toda força no gravetinho do meu braço direito. Até hoje ele é torto. A prefeitura já reformada, uma das mais lindas do Estado na época. Tinha um belo gramado que a rodeava liberado pra brincar. E, como neste bairro não havia praças, era lá o nosso parque. Foi lá que curei muitas de minhas ressacas de adolescente. Quando vinha exausto das festas juninas ou carnavalescas da Coimbral. Mas lá é outro bairro.
O Bairro Novo nunca envelhece. As novidades vinham de lá, da Feira Livre que era na Eliza Cabral. Que quando chovia a água preta que descia a ladeira misturava com as sobras e deixava o ambiente de um pretume só. Mas, gostava de acordar cedo. De ir com meu pai ou minha mãe fazer feira. Sentir o cheiro do cominho moído na hora. Com ou sem pimenta. De comprar verduras frescas e frutas da época. Eram tempos de crise. Tempos depois, a feira foi para o Mercado atual. Ficou com cara de chata. Institucionalizada.
Entre o bairro novo e o Timbí. A entrada do Privê Vermont. Uma reserva florestal particular que a cidade usa informalmente para fazer caminhadas ecológicas. Eu conheci nas caminhadas maloqueiras de minha infância. Mas, muita gente não conhece e outras tem medo.
Mais a frente a Praça da Coimbral. A Praça Francisco Honorato sendo mais correto. Até porque este cidadão foi um político de grande importância na emancipação do município de Camaragibe e que minha bisavó o conhecia e se orgulhava de sua amizade. Bem, eram lá todas as festas. No São João, Alcimar Monteiro, Jorge de Altinho, Fabiana, André Rio, Novinho da Paraíba. Este último tocou muito nos anos oitenta no Palhoção do Alírio, e no Forró do Uel, no bairro que falei anteriormente.
A coimbral tinha uma estrutura belíssima, que cada prefeito teima em mexer. Não preservam a arquitetura de nada. No meio dela tinha um círculo e ao redor um maior. E as pedras no chão formavam desenhos semelhantes a mandalas. A coimbral do Molecagem Bar. Do Bar do Miag, único bar que tive fiado, do Lumiar Bar, onde assistíamos encantados os vídeos K-7 dos artistas da música Pop, onde tinha um Karaoquê ao vivo. De lá já escapei ileso de uma fuga passional ou talvez de um crime. Zais, um dos garçons da época abriu um bar excelente por lá.
E a Aldeia dos Camarás? Das Águas Finas. Do ar puro. Certa vez salvei a vida de dois rapazes no açude que se afogavam. Não, não os tirei de lá. Era criança. Eu gritei alto e forte e os salvaram. Mas, disseram que outros não tiveram a mesma sorte.
Em um lugar cercado de bambus e eucalíptos, com água mineral escorrendo que vai enchendo as piscinas. É natureza pura escorrendo pelos olhos. Certa vez, minha mãe levou todos nós quatro. Eu mais dois irmãos e minha irmã Cinha pra lá. Escuresceu e não tinha mais transporte. Ficamos zanzando na rodovia até que apareceu uma alma bondosa que nos levou lá pra baixo.
Em Aldeia ainda o Clube dos Bancários um dos melhores da época. E que meu querido tio Nem nos convidava pra este clube de piscinas encantadoras.
O Bairro de Aldeia foi descoberto pelos poderosos. É um perigo. A fiscalização escassa talvez não consiga conter a ganância humana. E que pra ter lucro o homem desmata, cerca e quer vender.
Não podia de deixar de falar do Viana da Rádio Guarany, de Santa Mônica. Eu, seguia pelo Alto Santo Antônio, que já saía no lucro pois dava pra ver o mar. O azul do Oceano Atlântico. E rumava para o Rio Capibaribe. Antes tínhamos que passar pela linha do trem. E como eram boas estas caminhadas. Andar pela linha do trem nos remete a sensação de poder, de equilíbrio que temos que ter em tudo.
Em determinado lugar, numa curva, entrava à direita, e se avistava um magnífico gramado verde, onde havia um poço natural debaixo de um pé de côco, se atravessava e se chegava mais acima. Era lá a famosa Pedra da Baleia.
Este nome era devido ao formato que ela tinha deste mamífero. Apenas uma parte ficava embaixo d'água. No meio da pedra tinha uma passagem. Nunca tive coragem de atravessar. Tinha medo de ficar preso, sei lá. Aliás, o rio todo tinha de seus perigos. Certa vez quando fui pegar sambaquim que era um tipo de planta que de seus caules fazem gaiolas, aconteceu uma aventura arriscadíssima. Pois é, neste dia já saímos tarde de casa. Umas três horas da tarde. Tínhamos que atravessar o rio mais na frente. O tempo passou rápido, o sol foi embora, e atravessamos de volta já de noite. O rio aumentou de volune e a correnteza cobriu as pederas por onde atravessamos. Só no nado. Meus colegas eram acostumados, eu tremendo de medo contei de um até três e pulei na água batendo braços e pernas. Quase que a água me leva. Ou levou pra sempre na correnteza do mundo veloz, pois nunca mais me encontrei nesses lugares encantadores de eternas e saborosas lembranças de minha alma.