GRAÇAS A DEUS
José Paulo Cavalcanti Filho, autor da biografia de Fernando Pessoa, esse gênio da poesia portuguesa, diz, no inicio do seu prefácio que “Pessoa escreveu perto de 30 mil papéis, tendo quase sempre como tema ele mesmo ou o que lhe era próximo... “Já no “Livro do Desassossego”, do mesmo imortal poeta, também em um Prefácio, desta vez de Richard Zenith, este informa: “A Inspiração chega de formas imprevisíveis. Uma imagem entrevista, um cheiro que desperta uma lembrança, uma conversação, uma notícia de jornal, uma repentina ideia - coisas tão simples podem dar origem a um poema, um quadro, uma sinfonia, ou até a um complexo sistema filosófico.”
Começar uma crônica referindo-me a Fernando Pessoa é até um despautério. Mas, é que, ultimamente, o que tenho escrito é, quase sempre, sobre minha vida, meus amigos, episódios sem maior significação
para quem eventualmente me lê. O tema-título foi o que me ocorreu para esta crônica, falando outra uma vez sobre episódios da minha vida, não me vangloriando, mas para novamente agradecer a Deus por tudo o que me deu no decorrer da minha já longa caminhada pelos caminhos terrenos.
Pois é, os meus poucos leitores já conhecem a minha vida: a cidade onde nasci, os nomes dos meus pais, como foi a minha infância, a adolescência, a mocidade, a maturidade, enfim, como fui e ainda sou feliz, tudo contado em livros ou em crônicas esparsas. Agora, velho e com a saúde abalada, são limitadas as minhas ações, mas isso não me tira o amor a Deus, pois Ele sempre foi pródigo em bênçãos comigo. Tantas vezes já falei nisso, mas gosto de fazê-lo, mesmo que este assunto só interesse a raros amigos. Escrevo para dar vazão aos meus sentimentos e isso me satisfaz. M. McMahon, em seu livro “Felicidade”, depois de falar sobre Aristóteles, Sócrates, Platão e outros pensadores, diz que, “após procurarem a felicidade pelos caminhos tortuosos da vida, a encontraram na face de Deus”.
Quando menino, eu era franzino, mas, mesmo assim, sempre tive uma boa resistência física, inclusive era campeão de corrida; ninguém me alcançava. Quando rapaz, era baixo e magro. Fiz o Tiro de Guerra em 1942, aos 18 anos, metido naquela farda, com botas, polainas e quepe na cabeça. Enquanto os companheiros robustos, nos dias em que o Sargento Pereira Pinto promovia exercícios simulados de combate – correndo com arma em punho, deitando-se, rastejando, levantando-se, correndo, isso num longo percurso - muitos deles não resistiam, alguns até desmaiavam. Acontecia o mesmo nas marchas com armas suspensas (fuzis alemães, mod. 1908), era o mesmo; mas sempre aguentei firme.
Fiz o Grupo Escolar, o Ginásio Diocesano Santa Luzia e o curso de Contador na Escola de Comércio União Caixeiral e nunca fui reprovado em nenhum ano. Ingressei no Banco do Brasil por concurso (que era rigoroso naquele tempo) e nele fiz, modéstia à parte, uma carreira de sucessos.
Em 11.01.1947, casei com Brasília, que tinha cinco irmãs casadas com jovens todos mais altos e mais fortes do que eu, que tinha só 1,56 de altura e pesava, então, apenas 57 quilos.
Sem pretender desrespeitar a sua memória, vou contar aqui um episódio do qual nunca esqueci: o pai de Brasília, norte-rio-grandense residente no Pará, era um homem alto, forte, vermelho e dono de um forte vozeirão. Um dia, resolveu vir ao Nordeste. Já conhecia Benedito, marido de Raimunda (Dica), de estatura média, forte, residente em Belém; conhecia Mário Marcelino, marido de Áurea, alto e forte, e Evaristo, esposo de Deoceli. Fui incumbido de recebê-lo, vindo de Fortaleza, numa caminhonete de Siqueira, cuja agência ficava próxima à do Banco onde eu trabalhava. Às 16,oo horas fui esperá-lo, vestindo paletó e gravata. Quando o carro chegou e os passageiros desceram, eu o reconheci pelas fotos e descrições. Então, me apresentei a ele, dizendo que era o marido de Brasília e estava ali para recebê-lo. E ele, da altura dos seus 1m90, apontou o dedo indicador para baixo, na minha direção, e perguntou, acho que me achando muito baixinho: “É isso aí?” Eu fiquei meio encabulado, mas não respondi nada. Chamei-o para ir até o meu carro, a fim de levá-lo para a minha casa, onde três filhas o esperavam: Brasília, Áurea e Francisquinha. Oferecemos-lhe um jantar, já presente João Berchmans, meu amigo desde 1938 e casado com Francisquinha, que também ainda não o conhecia.
Mas, quis Deus que eu, superando uma série de problemas com os quais me deparei ao longo da minha vida, sobrevivesse a todos os seus outros genros e desse à sua filha um bom padrão de vida e a ele, seu João, uma descendência bem mais numerosa. Não digo isso com envaidecimento: apenas para agradecer a Deus e revelar os seus desígnios. Todos os meus concunhados eram meus bons amigos e, sinceramente, gostaria que todos, que eu tinha como irmãos, estivessem vivos. A esta altura da vida, sinto muito a falta deles.
Nem sei por que escrevi esta crônica: a quem poderá interessar? A ninguém, certamente. Mas, proclamar a superação dos problemas que já enfrentei é uma forma de agradecer a Deus que sempre me tem ajudado, não obstante os pecados pelos quais lhe peço perdão diariamente e quase a toda hora. Além da descendência numerosa – mais de quarenta - deu-me o dom de saber rascunhar várias histórias e a leitura de algumas delas agradar a um certo número de leitores, particularmente os chamados virtuais e que vieram a se tornar excelentes amigos – seus nomes já os citei repetidas vezes e os guardo, todos, no meu coração, que é o relicário onde se guardam os amigos. Eles amenizam a falta que me fazem muitos do que já partiram. Mais uma benção a agradecer a Deus.