Enterraram uma cabeça de burro nas obras do teatro

Foi longa a caminhada. Um pleito. Um desejo coletivo para que uma cidade seja melhor. Um instrumento que vinhesse concretizar a sua identidade cultural. Em meados dos anos 2000, alguns artistas começaram o côro pedindo para que o prefeito de então, Dr. Paulo Santana, construísse um teatro. Pessoalmente, confiava na sensibilidade e iniciativa cultural de sua gestão. E, confesso que ele tentou, em troca de impostos, ele conseguiu o então Peñarol para ser o espaço desejado. Houve maquete, com direito a inauguração e tudo. Mas, antes do início das obras, não foi possível. Após alguns embargos de segurança, desistiu-se do local. Mas, renitentemente, o mesmo, conseguiu um lugar melhor. Um antigo galpão da Fábrica Braspérola. Vibração geral, pouco tempo, um ajuste ali, uma torneira acolá, uns forros de TNT, estava pronto, aconteceu a inauguração, não do teatro ainda. Mas, do Espaço Camará; Teve inauguração. Cantoras, vedetes, discursos. Maravilhas.

Aconteceram após isso várias apresentações de teatro, dança, música, eventos. Acaba a gestão petista. Eleições, mudança de gestão. A preocupação de muitos era que aquele espaço tornasse outra coisa qualquer. Pensei eu, temos que fazer algo. Não sabíamos o que iria acontecer. Ideia brilhante. Contactei um artista que abria letreiros para fazer a obra. O fiz fiado. Já tinha confiança com ele. Mas, quando trabalhei na Fundação de Cultura, era época de vacas magras, crise geral. O dinheiro de pagar a ele, que não era muito, demorou a chegar. Quase todos os dias ele me ligava. Quase que pagaria do meu bolso. Mas, a contragosto do diretor do teatro de então, solicitei a sua chefe que se pagasse com o dinheiro da porcentagem das apresentações que se cobrava. Deu certo, paguei a este. A gestão virou.

De início a esperança havia se renovado, e anunciou-se logo uma reforma esplendorosa, onde seriam gastos em torno de um milhão de reais. Os sonhos resplandeciam na cabeça de muita gente. Como ficaria? Quando ficaria pronto?. Um ano, dois anos, três anos, fim de mandato e nada. A obra não ficou pronta. E não precisava ser inteligente pra saber, que o prefeito em questão Dr. João Lemos, não gostava muito de Teatro. Vide, que, este nunca foi visto em nenhuma apresentação desta arte na cidade. Até mesmo na Paixão de Cristo que é um sucesso e arrasta uma multidão. Pois é, por conta disso, lhe foi dado um título memorável, com direito a foto de entrega. Prefeito Inimigo da Cultura.

Também pudera. Ele havia colocado até pessoas bem intencionadas para tomar conta da pasta. Pessoas de cultura. Mas, parece que fez de propósito, colocou-as lá para aniquilá-las politicamente. Não resolvia pendências financeiras do órgão, nem mandava recursos suficientes para realizar grande coisa. Resultado: uma gestão engessada, de pouquíssimo impacto. E, digo mais, se não fossem as iniciativas pontuais de vários movimentos que aprenderam a andar com os próprios pés, teríamos vivido uma época medieval na cultura. Voltando ao teatro. J.L. se reelege, de forma arrastada. E, já começam os protestos com relação às coisas que não aconteciam direito em seu mandato. Um desses movimentos, interessantíssimo, que contou com a presença até de artistas de outras cidades, foi o Movimento dos Sem Palco. Panfletagem, protesto, tentativas frustradas de reunião com o prefeito. Nada. Não saía. Fotos denunciantes, reportagem com a Globo. E, nada. O povo das artes cênicas, não parou, continuou a produzir, na rua, em outros palcos, no inconsciente coletivo, mas, o sonho era uma casa de espetáculo para cidade.

Prometeram entregar este espaço numa data, não aconteceu. Noutra, também não. Até perder-se o ânimo e não prometer mais nada. Gestão desgastada buracos nas ruas e na alma. Na última semana, no último dia do ano, seria a inauguração. Batizaram o teatro no gabinete, no nome de uma pessoa desconhecida na classe. Mas, dizem que morava na vila e gostava de artes. Marcaram pela manhã, em torno de dez horas, alguns chegaram de nove. Deram dez, onze, doze e nada. O homem não veio. Dizem que ele veio de tarde com meia dúzia de colaboradores. Não interessa. A classe artística tirou uma foto com vários artistas sentados sorrindo e alinhados no palco e deu a obra por inaugurada já de manhã, antes de ir embora. Inaugurada em partes. Não havia caixa cênica, não havia equipamento de som, não havia energia e muitas outras coisas. Apenas um boato de que cada cadeira custou seiscentos reais. Cadeiras lindas, por sinal. Mas, muito caras.

Neste local aconteceu pouco tempo depois a posse do novo gestor, Jorge Alexandre, com direito a vaias para o antigo e aplausos eufóricos para o novo. Momento tenso. O povo aclamando. Vereadores no palco, hora dos fogos. Soltaram ao lado do prédio. Susto enorme, pedaços do teto caindo em cima das autoridades, uma vergonha alheia misturada com medo.

Bom, o tempo passando, passando, e até o presente momento, não soube por meios oficiais, nem vi placa nem nada da retomada da obra. A cidade espera… de braços abertos um novo tempo. Com um teatro de qualidade e de vasta e multicolorida programação. E o burro, onde fica? Alguns pensam que, apesar de não fiscalizar o suficiente; de nossos vereadores não cobrarem o quanto poderia; de simples lideranças não denunciarem no Ministério Público; de não fazerem zoada, badernas, pichações; de não puserem carros de som, jornais panfletários e malhações invocadas em redes sociais; o povo não pensa… ou pensa como o nobre asinino que apenas obedece e labuta inquestionavelmente. Talvez sim, talvez não.