CRÔNICAS BONAERENSES (33º dia) – A gordinha e o cantor
Há dois tipos de pessoas que vão a shows de rock: os que querem ficar com o músico e os que querem ser o músico. Mesmo pra quem é músico, é difícil não se imaginar ali, no palco, aclamado, desejado, invejado e outros ados mais.
Aqui em Buenos Aires, quem já teve o prazer de ir a um show de rock sabe como é. São tão fanáticos e enfermos pelo rock quanto pelo futebol. Assim, a pista, mais especificamente perto do palco, se transforma como no setor popular dos estádios. Tu podes achar que está bem localizado, próximo ao palco... quando a banda entrar, tudo isso vai mudar! Começam a fazer a avalanche, que vai se repetir a cada música. Como se estivesse no mar, tu vai mudando de lugar sem perceber, levado pela maré. Todo solo – de guitarra, trompete, violino, seja lá o que for – vira uma música de torcida, todos cantam o solo com as mãos em um vai e vem frenético indo do rosto até o braço estendido! Ainda mais se a banda é conhecida.
Neste sábado fui ao show dos Sponsors, do conhecido vocalista Joaquín Levinton, torcedor fanático do River Plate e ex-guitarrista/vocalista da banda Turf – que abriu para nada mais nada menos que os Oasis em 2006. O lugar, o M.O.D. Variete Club, lembra o Opinião, só que menor. Mesmo com as avalanches, os empurrões, a histeria, dava para se mexer tranquilamente, amarrar os sapatos e até sair para ir ao banheiro e retornar ao seu lugar antes do show. Pé direito alto, a casa recebia um público que te permitia estar confortável, muitas sinalizações sobre o que fazer em caso de incêndio. Nota-se que aqui a tragédia em Cromañom fez com que as coisas mudassem, as leis e as fiscalizações fossem mais rígidas.
Mas bem, agora que entra a história da gordinha e do cantor. Atrás de mim, estava uma gordinha. A gordinha vinha se esgueirando pra perto do palco e, logicamente, do cantor, seu objeto de cobiça. Vinha tergiversando com seu corpo gordinho e, a cada onda de empolgação do público, avançava uma casa. Quando finalmente chegou próximo ao palco, corria os dedos da mão pelas pernas do cantor, o caríssimo Joaquín Levinton, que teimava em ficar empoleirado nas barras que o separava do público ou em cima da caixa de som. Algumas pessoas o tocavam nas mãos, o tocavam nos pés, davam as costas para ele e tiravam fotos, mas a gordinha não, a gordinha ia passando as mãos pelas pernas do cantor, perigosamente se aproximando, digamos, das partes pudendas do músico. Até que,foi! Tocou o músico ali, no membro peniano, e disfarçou correndo as mãos pelas pernas do cantor outra vez. Depois que a gordinha viu que já não era mais barreira e, pensando estar acobertada pela multidão, fez o mesmo gesto repetidamente. O cantor ali, já demonstrando insatisfação, pois, neste momento, sempre se está concentrado no show, na letra, no espetáculo visual... não é o momento de ter uma gordinha pendurada nas suas partes como um trapezista. Ele lançava olhares de desaprovação para ela, por detrás dos óculos escuros. Ela lançava olhares provocantes para ele, e com o dedo indicador apontava pra ela e para ele repetidamente, como quem diz “eu e tu, eu e tu!!”.
Seguiu o baile. Eu já achava estranho tanta passividade de uma estrela de rock porteña. Até que o cantor desceu da barra de ferro que o separava do público já completamente suado, meteu a mão nos peitos da gordinha de forma que lhe baixou a blusa até abarriga, esfregou-os e depois olhou pra ela com um olhar de quem diz “viu como é bom?”. A gordinha ainda fingiu alegria após o constrangimento, mas era nítido que tinha tomado um fora.
Fica a dica de não tentar atrapalhar o artista em sua performance, seja você uma dessas pessoas que vai a show de rock por que quer ficar com o músico ou por que quer ser o músico.
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¿Qué pasa, Fábio?
Buenas, já faz mais de trinta dias, faz mais de um mês! Aos poucos a vida vai melhorando, como os amigos de verdade me disseram que melhoraria. Solidão já é assunto do passado. Aos poucos, vou construindo amigos novos, argentinos e brasileiros. Como diria Marcelo Camelo, “tristeza nunca mais / mais vale o meu pranto que esse canto em solidão / nesta espera o mundo gira em linhas tortas”. Por mais que algumas coisas que acontecem aqui me deixem tristes, por mais que tenha momentos de depressão, estou mais feliz aqui do que em qualquer outro lugar onde poderia estar agora!
Falando em amigos, organizei um futebol dos brazucas que moram aqui em Buenos Aires, através do facebook. Em menos de uma semana, já temos mais de 30 membros no grupo. Ontem, às 22 horas, rolou o primeiro embate! Grandes peleias no gramado do Club Atlético San Telmo! Deixei minha marca com um golaço à la Forlán, de longe! Mais jogos e mais amizades virão.
Ainda na esfera do futebol, domingo aconteceu algo incrível. Não, não é o fato do Internacional conquistar mais um campeonato gaúcho, mas a repercussão que isso causou em mim. É como diz um comercial argentino do banco Santander: "Quase tudo na vida é mais importante que o futebol. Mas a vida não seria a mesma sem o futebol" (http://www.youtube.com/watch?v=j_2mPRRWJuY). Aqui só há os que são fanáticos e loucos e os que nem assistem aos jogos. Para mim, o futebol virou um meio de ligação com o Rio Grande do Sul, pois sei que o que eu estou vendo aqui repercute lá, o que eu sinto aqui meu pai sente lá. Domingo, sozinho em meu apartamento, vendo a nervosa decisão por pênaltis na tela do computador, chorei quando o Inter saiu campeão. Não pela grandeza quase inexistente dos regionais, mas por ser meu primeiro campeonato longe de casa, longe da família, mas que me fez sentir tão perto! Depois, mandei mensagem pelo twitter da Rádio Gaúcha. Minha mensagem foi lida no ar e logo chegou a mensagem no meu celular. Meu pai estava escutando. O futebol nos une, nos aproxima. Tenho pena daqueles que não entendem nem vivem essa paixão.
Agora, falando em amizades verdadeiras. Aconteceu algo impressionante esta semana que me distanciou mais das falsas amizades de Porto Alegre e me aproximou mais das poucas, porém verdadeiras, amizades de Buenos Aires. Por um problema no banco, não consegui sacar dinheiro sexta. Só conseguiria sacar segunda. Estava contando com aquela grana! Estava fazendo planos e contas pensando naquela grana! Mas ela não veio. Nesta hora, me aparece uma pessoa argentina que me conhece há menos de 3 semanas e me oferece uma grana emprestada até segunda-feira. Claro que ontem tudo deu certo e eu paguei esta pessoa conforme havia combinado. Mas no caminho para encontrá-la,espremido num subte superlotado, trafegando velozmente por baixo das ruas de Buenos Aires, o dinheiro separadinho que eu tinha pra pagar a pessoa começou a escorrer pelo bolso do casaco. No balançar do subte, o dinheiro ia se inclinando na direção do chão, e eu sem perceber. Até que uma guria que estava na minha frente me alertou que meu dinheiro estava caindo. Eram algumas notas de cem. Fosse em outro lugar, será que me alertariam ou esperariam a grana cair pra juntar e guardar para si depois?
Cada dia mais eu respeito o senso humanitário dos argentinos. Além disso, aprecio cada vez mais toda a ajuda de meus amigos que vivem aqui (argentinos,gaúchos e brasileiros) com uma palavra de alento quando estou na pior. Enquanto isto, porto-alegrenses que se diziam meus amigos, mais que isso, meus irmãos, não respondem uma mensagem no facebook, não mandam e-mail nem pra saber como estou, se ainda estou vivo ou não. Capaz porque torcem ardorosamente pelo não.Agora vejo quem eram meus amigos de verdade em Porto Alegre, e vos digo: é um punhado de pessoas. Eu sei quem eles são. Eles sabem quem eles são. Me basta.
Aos poucos volto ao meu velho eu: arrogante, egoísta e frio.
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Dica da semana:
M.O.D. Variete Club (www.modclub.com.ar/) – Casa de shows pequena, mas de nível internacional. Tanto que neste dia 12 de Maio recebe o guitarrista de Paul McCartney, Brian Ray, tocando com a banda argentina Nube9 (adivinha se meu ingresso não está na mão?). Mas o preço da bebida é um pouco salgado e, como toda festa em Buenos Aires, a casa só abre depois da meia-noite e a galera só chega a full às 2 da madruga.