CRÔNICAS BONAERENSES (18º dia) - O lamúrio do taxisa
Dia destes tomei um táxi aqui em Buenos Aires. Não sou muito afeito a tal prática – devido ao alto custo e ao perigo de te darem notas falsas ou fazerem o caminho mais longo – mas, como eram passadas 3 da manhã e estava em Palermo, não me pareceu uma boa esperar um ônibus (já que os subtes já se encontram fechados nesta hora) para ir até minha casa, em San Telmo. Assim, entrei num táxi.
Viajando pela cidade no banco de trás do carro amarelo e preto tradicional, atendi uma ligação. Mesmo falando castellano, capaz aí que o motorista notou que eu não era porteño (talvez também pelas minhas vestes, sapato, casaco de terno e um cachecol, mesmo que entre 12 e 15 graus). Dado momento, foi interpelado por outros veículos, tocou a buzina e me perguntou em castellano:
- Como vocês chamam isso?
- Vocês quem? - Perguntei.
- Vocês, espanhóis? – Ele retrucou.
Contei-lhe que não era da Europa. Bem longe disso. Contei-lhe que era do Sul do Brasil e que por opção vim morar em Buenos Aires este ano. Ele se quedou incrédulo. Perguntou-me o porquê de tal mudança, visto a situação social e econômica que se encontra a Argentina. Eu lhe expliquei minhas razões...
Daí que começaram as lamentações, pobre taxista, certamente um patriota! Mas me disse, com a voz cansada e arrastada, que já não tinha amor pelo país. Os últimos anos de crise fizeram com que ele parasse de acreditar no governo e no povo que, segundo ele, não reclama de nada. Eu discordei, disse que os protestos argentinos são até admirados pelos brasileiros, mas ele me disse que a maioria destas marchas é paga, patrocinada por partidos e sindicados, coisa que, claro, todos sabemos que acontece aqui. Mas citei a manifestação do povo que ocorreria quinta, que acabou por ser a maior contra o governo de Cristina Fernández de Kirchner, e tentei lhe consolar e disse que as coisas iriam mudar, como em 2001. Mas ele, com a calma e a experiência de um taxista porteño, que sabe driblar ciclistas, motociclistas e carros velhos que não dão pisca, que sabe dar uma volta maior pra te ludibriar, mesmo em uma cidade com quadras equilaterais, que, como o pai de D’alessandro fazia, ganha a vida nas agruras da noite argentina, respondeu, em bom castellano:
- Mas essa Senhora que aí na Casa Rosada encontra-se sentada, não se levanta por nada.
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Tenho amigos K e antiK (a favor e contra o governo Kirchner). Tento ouvir a todos com atenção e me parece justo que todos tenham o direito de expressar-se nas ruas. Mas agora, em outubro, a expressão das urnas é que será ouvida. Se Cristina garante mais cadeiras no Congresso, é bem provável que possa ganhar a votação para poder concorrer a uma 3ª eleição.
Vejo os dois lados: os que gostam do governo assistencialista e acham que esta reclamação do povo é coisa da classe média-alta e os que estão fartos da inflação de 30%, da constante violência e das denúncias de desvio de dinheiro deste governo. Infelizmente, o debate aqui já não é mais de ideias. Virou guerra. Ou tu és K ou tu és antiK. Ou tu és um pobre que mama nas tetas do governo ou tu és um soldadinho do Clarín. Quando acaba o respeito, acaba também o interesse pelas ideias dos demais e as pessoas ficam presas a suas próprias crenças.
Escuto os dois lados. Os dois têm méritos. Mas uma terceira eleição, isto não me parece justo. É tempo de mudanças na Casa Rosada. Peronistas ou não.
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¿Qué pasa, Fábio?
Chego ao 18º dia bem diferente de uma semana atrás! Estou completamente feliz com minha nova casa. É bom poder morar sozinho outra vez. Fazer meu super, fazer minha comida, lavar minha roupa... Sinto-me como um aleijado que depois de quase um ano voltou a andar.
Mas ainda tenho que aprender algumas coisas, como onde comprar presunto e queijo baratos e a comer em restaurantes chinos (restaurantes de comidas chinesas,mais baratos por aqui), pois a inflação não dá trégua.
Sempre que tenho a chance, toco no pub aqui da frente. Mas não vou viver disso. Tampouco quero viver da noite. Esta semana começa a segunda fase da vida em Buenos Aires para mim. Depois de ter um local fixo para morar, agora preciso correr atrás da minha DNi para poder arrumar um emprego que me sustente e sustente esta casa artística e inspiradora onde estou morando. Me sobrou pouco dinheiro depois de pagar aluguel, mas com pão, frios, leite, suco, massa e bife na geladeira e com um pacote de erva mate e uma garrafa de Fernet no armário, dá pra viver até o fim do mês...
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Dica da semana:
El Hábito Bar (http://www.facebook.com/pages/El-H%C3%A1bito-Bar/291426484228114) – Bar aqui da frente onde músicos podem tocar nas quintas e tem shows de bandas nos finais de semana. É o chope mais barato que encontrei até agora, 18$.