CRÔNICAS BONAERENSES (10º dia) – Os sentidos da educação

Educação é uma palavra complicada da língua portuguesa. Tem muitos sentidos. Tem até um ministério. A verdade é que, quando escutamos a palavra educação, pensamos primeiramente em dois conceitos: o que apessoa sabe e como a pessoa se porta.

“A educação é um problema no Brasil”. Quando se fala isto, normalmente querem dizer que o ensino é um problema no Brasil. Professores mal remunerados, alunos sem vagas nos colégios, um ensinamento tão ultrapassado quanto inútil. E quando dizemos que a educação vem de berço? Ou quando perguntamos “tua mãe não te deu educação?”? Aí já estamos falando do comportamento, de como a pessoa se porta baseada na nossa própria cultura.

Dizer que os argentinos são mal educados não é uma verdade completa. No aspecto de conhecimento, de serem politizados, de terem noção do que é importante e terem cultura, a grande maioria é bem educada. Questão de não jogar lixo no chão, não urinar na rua, dar alguma informação, nestes aspectos, tudo ok. Mas o que tenho notado morando aqui há 10 dias (e, como sempre disse aos meus amigos, estar de férias numa cidade é uma coisa, estar morando é outra) é que os argentinos não são nada educados quando se pensa no jeito de tratar os outros (sempre generalizando e falando da maioria, claro). Notei que não dão muita bola se chegam atrasados, se te tratam mal porque estão de mau humor, se marcam algo contigo não se incomodam em desmarcar sem avisar, não responder mensagens ou sequer terem certos pudores para te falar algo que lhes incomoda. Na verdade, eles gritam se algo lhes incomoda. Não têm papas na língua para dizerem o que pensam, passe o que passe depois da frase dita. É algo cultural. Isso sem entrar na questão de quando tu estás no ônibus ou no metrô (subte). Praticamente te arrastam para fora ou para dentro.Sem dizer “permiso” ou “perdón”. Mas isto talvez aconteça em qualquer lugar do mundo.

Talvez a melhor palavra para definir esta falta de “educação” venha do inglês polite. Eles não são nada polited. Em geral, gosto deste jeito desinteressado com os demais deles, mas às vezes te incomoda ficar, como dizemos, no ar, esperando uma resposta ou uma palavra educada. Talvez por isso nos surpreendemos – inclusive os argentinos se surpreendem – quando te dão lugar no metrô, esperam que tu saia para entrar, quando um garçom te atende com simpatia e um sorriso no rosto. É raro aqui. É algo para acostumar-se. Em Porto Alegre, sempre reclamavam de mim quando eu era grosso, quando eu não dava oi, quando eu chegava atrasado ou sequer aparecia sem avisar. Talvez eu me dê melhor aqui, com toda minha falta de “educação”.

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¿Qué pasa, Fábio?

Bueno, já faz 10 dias. Sou muito apressado e precipitado, queria que tudo já estivesse em seu lugar. Mas não é assim. Vivemos na merda da América do Sul. Apenas duas coisas me deixam com muito medo aqui: o transtorno que está sendo para conseguir turno e fazer minha residência permanente e o problema de não conseguir sacar com o cartão do Banco do Brasil. Alguns dizem que só preciso desbloquear, outros que isto é um problema com todos os cartões estrangeiros. O fato é que até que isto se resolva, fico neste limbo nervoso, num quarto de hotel, esperando ter o dinheiro do cartão para pagar o aluguel da minha nova casa e esperando minha DNi que te pedem já na entrevista de emprego. Como se diz aqui, és todo um tema...

Sempre disse pra minha amiga Andressa, quejá mora aqui há alguns bons anos, que se eu morasse aqui jamais sentiria falta ou saudades de nada nem de ninguém. Na verdade, tirando o xis da Tia Zefa e o Cachorro do Bigode, não sinto mesmo. O que tem me afetado muito – talvez por isso só agora esteja escrevendo – tem sido as dúvidas e a solidão. As pessoas tem sua própria vida e não é como quando tu vens uma semana pra uma visita. Acabo tendo que fazer as coisas sozinho e, por estar sozinho, não as faço e acabo chorando no quarto do hotel. Às vezes me dá na telha de ligar pros meus pais contando os problemas, o que me leva outra vez às lágrimas. Mas já avisei, não vou desistir, não vou voltar. Passe o que passe neste início difícil, eu vou ficar aqui, mesmo se for só, não vou ceder. Mas a verdade é que, enquanto não tiver um grupo de amigos, minha DNi, meu cartão funcionando, um emprego e minha casa, não vai ser fácil manter a compostura e a tranquilidade em todos os momentos.

Sim, eu gosto de ficar só, mas isso não quer dizer que eu também não me sinta sozinho...

Pra acabar sobre o que passa comigo, eu não entendo isso de alguns argentinos: há alguns meses são teus melhores amigos, querem estar sempre contigo e estão sempre querendo te ver. Poxa, custa muito responder uma mensagem, mesmo que seja pra dizer que não? Custa muito oferecer uma ajuda? Tenho que me acostumar com a solidão... mas sempre quando me sinto triste lembro que estou na cidade que mais amo e que não há nada que uma pinta de Cream Ale e uma picada de fiambres y quesos não resolvam!

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Dica da semana:

Cruzat (www.cruzatba.com/) - Ainda é o melhor lugar que conheço para tomar os melhores chopes e comer a melhor picada.

Cavern Club (www.thecavernclub.com.ar/) - Onde tocam as melhores bandas covers de Beatles.

Fábio Grehs
Enviado por Fábio Grehs em 07/05/2013
Código do texto: T4277932
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