No front da sobrevivência
O sol desliza seus últimos raios cor de bronze sobre as águas enodoadas. Pés calejados caminham sereno rumo à ribanceira; trincheira da sobrevivência por este dia. A ira da fome sendo fungada pelas narinas calcinadas na poeira do tempo. Tripas corroendo tripas, dignidade destruída...
Daqui um pouco, o primeiro ataque.
A cabeça rola entre os capins, um só golpe. O sangue escorrendo no corpo enrugado vai depositar-se junto à parte decapitada. Não há sentimento de culpa. No front da sobrevivência, a morte é rotina: matar para sobreviver!
Longe, roncos de máquinas potentes cortam o lamaçal. Prenúncio da presença de uma horda contrária, homens enlameados por prazer. Obesos ao volante guiando máquinas entre espectros de fome; o prazer da gargalhada estridente ensopada na cevada, distante dos flancos da luta dos sobreviventes da fome, pelos "Caminhos e Trilhas" - e folhas - das diferenças sociais.
Mais um golpe certeiro. A lâmina cortando a carne fresca ao meio. A vida se esvaindo para salvar outra vida. O corpo se contorcendo em dor enquanto é jogado barranco abaixo.
- Junta aí, menino, hoje vai ser uma festa! – Cúmplices da sobrevivência: pai e filho! A culpa de morte não transparece em nenhum dos rostos. Rotina! Igual aos sorrisos escancarados no tempo perdido dos aventureiros dos lamaçais: “Enquanto matamos o tempo, ele nos enterra” – sem glória, sem riso, apenas o vazio das alegrias vãs...!
Olho a matança, sou testemunha de um mundo selvagem entre os clarins de uma louca Era Tecnológica enquanto homens do saber se digladiam para a fama da posteridade: o dom que não sacia a fome dos analfabetos dos descasos sociais da vida!
Relembro todas as discussões intelectuais: “Bota, tira, aceito, não aceito...” Frases e rimas que o pobre não canta, apenas se encanta na sua ingenuidade de sobreviver numa luta desigual, enquanto os “autoresvítimasmatadores se reviram nas covas:
O sol já se vai morrendo. A lâmina é guardada no capinzal. Os roncos dos motores já se vão, longe. Vão a um outro sarau; voltarão no ano que vem - prometem trazer “mudas” para compensar o dano à natureza.
- Vamos, tá na hora da segunda matança!
A primeira isca no anzol será a cabeça decapitada da minhoca.