CORTANDO NA CARNE
- Bom dia, moço. Eu quero um quilo de carne.
- Qual?
- Qualquer uma.
O açougueiro foi logo pesando e cortando o primeiro pedaço de carne que encontrou.
- Mas você não vai me perguntar mais nada? Indagou a cliente. Uma senhora aparentando meio século.
- Perguntar o quê?
- Que carne eu quero.
- Já perguntei e a senhora já disse.
- Não, eu não disse.
O açougueiro continuou a pesagem.
- Mas ai você pega qualquer uma e vai logo cortando. Por que você não pergunta se eu quero para fazer bife ou um cozido, por exemplo?
- São quinze reais.
- Mas você sabe pra quê eu quero essa carne?
- Não.
- As coisas não podem ser assim, você tem que me fazer perguntas. A vida é feita de perguntas. E se fosse carne moída? Eu teria que escolher um bom pedaço. A vida é feita de escolhas, entende? Negociaríamos o preço, eu lhe pediria para tirar as peles. Há uma dinâmica nessa relação e não podemos fugir desses movimentos, queimar etapas, entende? Nada pode ser tão simples assim.
Silêncio.
O pacote de carne em cima do balcão.
- Não faz isso comigo, moço. Pergunta se eu não gostaria de levar um lagarto, diz pra mim que o filé está em promoção, ofereça-me um pernil. Pelo amor de Deus, fala alguma coisa.
Silêncio do açougueiro, soluços da cliente.
- Você...shift...você deveria notar que eu não vim aqui... simplesmente...shift... comprar carne.
O açougueiro começou a desembrulhar o pacote sobre o balcão.
- Não faz isso. Gritou a mulher segurando o pacote. Eu vou levar.
Pagou e foi embora com a carne.
- Ó Saturnino, perguntou a mocinha do caixa, tu conhece aquela mulher?
- Conheço.
- Ela é apaixonada por ti?
- Não, ela é só uma professora de filosofia.