Pronto Socorro de Fraturas de Guarabira, a casa dos horrores e da celebração do sofrimento alheio.
Autor: Magal Melo
Ao notar um pequeno problema na clavícula de minha filha mais velha, fui, em busca de orientação médica para sua resolução com aquele sentimento de responsabilidade de quem cuida de um ente querido. E, sendo assim, fui debaixo do sol escaldante de Guarabira – PB, para a referência em ortopedia de toda Região que abrange em torno de quatorze municípios. O Pronto Socorro de Fraturas de Guarabira, hospital privado conveniado pelo SUS e que atende traumatologia clínica e cirúrgica.
Ao chegar, por volta das 8 horas da manhã, fui no andar de cima, estava lá uma recepcionista fardada, simpática e educada e prontamente respondeu minhas indagações.
_ É aqui que atende o médico ortopedista?
_ É aqui sim senhor. Quer marcar a consulta?
Estranhei toda aquela solicitude. E desconfiado, perguntei:
_ Sim, mas é pelo SUS?
No que instantaneamente ela falou, e perdendo um pouco do humor e ficando um tanto mais séria.
_ É lá embaixo, senhor.
_ E eu, por toda via perguntei:
_ Mas quanto seria a consulta particular?
Ela: _ 80 reais, e se precisar de radiografia, mais 40.
E eu, fui lá embaixo. Lógico que poderia pagar a consulta. Mas, reconheço os meus direitos e sempre tive acesso a este tipo de serviço sem sofrer tanto, pois residia na região metropolitana do Recife e lá as ofertas de serviço como este são mais simples e abrangentes.
Pois, bem. Chegando lá embaixo, em um ambiente que mais parecia uma garagem subterrânea, ao descer por uma rampa longa e esquisita. Deparo-me em um porão sem ventilação adequada, assentos formados por duas fileiras de duros bancos de madeira com a tinta desbotando e alguns parafusos soltos. Algumas dezenas de pessoas com semblantes de dor e sofrimento aguardando ser atendidas. Fui ao balcão.
_ Por favor, gostaria de marcar uma consulta com o ortopedista.
O atendente: (Rispidamente) _ Só com cartão do SUS.
Fui rapidamente tirar este documento, visto que não era tão longe e ainda era cedo. Não consegui tirar o mesmo, pois a secretaria de saúde do município estava sem internet. Lógico que soltei impropérios e ironias para o pobre servidor sem culpa. Mas, este me garantiu que a clínica teria obrigação de me atender, o que o fez, nas seguintes condições que enunciarei doravante.
Durante a fila para preenchimento do cadastro, verifiquei uma coisa estranha, as fichas dos usuários, que em plena era da informática, ainda é de papel cartolina, estavam enroladas com faixas de ataduras, cobertas de poeira, o que poderia ser proposital como uma decoração temática. Mas, nota-se que é um apenas um detalhe de um serviço desleixado e de péssima qualidade.
Por volta das 8:25 h, feita a ficha, seria apenas aguardar. Uma das senhoras da fila falou: _ Ah meu filho, pode sentar, se conseguir lugar, pois, o médico só chega lá pras onze horas.
E aguardamos, então. Depois de tirado o raio-x, depois de outra fila desesperadora, entramos na fila do médico. Várias voltas nos ponteiros e registros de uma série de dores e palavras de revolta dos usuários na espera.
Enfim, chegamos à fila do médico. E eis a surpresa, ele é um talento revolucionário. Desenvolveu um sistema de anamnese e de exame clínico super eficaz e ágil. Atendia de quatro em quatro pacientes. Como se fosse uma operação espiritual coletiva. Entramos na sala, o vi atendendo a queixa dos pacientes que estavam na nossa frente. Uma mulher com uma dor crônica, ele olhou rapidamente, viu num relance a chapa e sem nem olhar os olhos da coitada da mulher e nem tocar em seu joelho adoentado, foi logo passando a receita de letras apressadas, um anti-inflamatório, talvez daqueles potentes, que vai passar a dor, mais não vai resolver o problema. Chegou um rapaz, possivelmente um cabelereiro, com uma dor no pé e uma cara de choro de um sofrimento antigo, ele nem olhou novamente os olhos deste e escutou-o menos que a mulher, e tome receita e despacho.
Na nossa vez, ele viu o exame, e disse que a garota quebrou este osso e ficou assim. E eu, replicando disse ela nunca quebrou, pois iria doer, ficar inchado... E eu, como bom amigo do Dr. Google, mostrei pra ele em dois artigos científicos o que achava que era, Pseudoartrose Congênita da Clavícula Direita, e ele, é eu acho que é isto mesmo e mandou vir outro dia falar com um amigo dele. Despedimo-nos, agradeci e fui pra casa mais confuso que cheguei.
E ele, com sua voz de fome:
_ O próximo!