A prova de toque

Manhãzinha, o céu com faixas de arco-íris rosa-cinza-azulado surge em meio à cerração que esconde o rio. Patos voam sobre o prédio formando dois grandes cordões rumo leste. Depois do banho, o creme que protege a pele do ressecamento trazido pelo frio outonal. O roupão vermelho é substituído pelo uniforme grafite. Cabelos penteados, brincos escolhidos, finas sapatilhas calçam os pés dentro dos chinelos de lã. Sapatos pretos esperam a hora da saída frente à porta para não fazer barulho. Do fogão recende o café para despertar o último sentido dormente até então. A caneca sobre a toalha xadrez recebe o líquido quente adoçado por duas pequenas colheres de cristal orgânico. Cultivada desde a infância, a náusea à primeira hora manhã impede de comer a fatia de pão integral. Com a caneca aquecendo as mãos, se contenta em bebericar o café enquanto observa pela janela da cozinha os carros que dão pressa ao dia. Dentes escovados, bolsa pendurada no ombro, lixo ensacado para deixar na lixeira, hora de sair de casa. Verifica se a vidraça da janela e a porta do banheiro estão fechadas. A boca do fogão e sua tomada, desligados. A gata ficou trancada no banheiro? Não. Sob a cama estão dois olhos brilhantes. Porta e grade abertas. O ferro de passar roupa está ligado desde a noite anterior? Não. Passou roupa no domingo e hoje é quarta-feira. Fecha a porta. Movimenta a maçaneta. O aromatizador... Lembrou-se que utilizou eucalipto para perfumar a casa. Desligou. Será? Volta e confere. A porta do banheiro, a janela da cozinha, as tomadas, as lâmpadas, o lixo, a gata... Fecha a porta da sala. Movimenta a maçaneta. Tranca a grade. Chama o elevador. Sente-se observada do olho mágico. Envergonhada, faz a última prova de toque. Gira novamente a maçaneta e vai embora. No elevador, toca as orelhas e ri. Está com apenas um brinco.




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