A inveja de Marileja

Ela teve. Sim, ela teve. Não acreditou que teria, que sentiria isso algum dia. Olhou para a cirurgiã plástica e sentiu-se abismada com esta andando em um carro grande acompanhada de um másculo e belo jovem. Agora, nos seus 40 anos, com rugas e três filhos, sentiu pela primeira vez coisa que nunca achou que ia sentir: inveja.

Lembra, da Fernanda? A Fernandinha, a nerdinha, a estúpida e escrota, a única que não tinha fumado da turma, a única que com 17 anos não tinha beijado ninguém, a única, sempre a única, que tirava as maiores notas, a única a tirar 10 nas provas de matemática, única excluída, única com espinhas, única bolsista da escola. Marileja, a mais gostosa, como era chamada pelos calhordas que a cortejavam a todo tempo, não tinha apenas beijado vários, como coabitado com muitos sem a mínima vergonha de ser feliz. A única foi fazendo o que podia, estudando o máximo, e levava, na cabeça, bolinhas de papel e era objeto de piada, na maioria das vezes, de Marileja, que apesar de todo o desprezo e dó que sentia, ainda tinha uma espécie de raiva, vontade de destruir a coitada.

O tempo passou, e Marileja percebeu que seus seios começavam a murchar e que seu bumbum concentrava muita celulite pelos litros de Coca-Cola que tomava: já tinha dificuldade em arranjar uma transa. Quando muito, pegava apenas um velho ou um novinho com idade para entrar na balada, que estivesse desorientado, com medo e que pegasse a primeira que desse sopa. Estava na hora de casar para não ficar sozinha, e casou com um ignorantão cinco anos mais velho, que já teve duas ex-mulheres e 5 filhos, Maristela seria a terceira e a mãe do oitavo e último.

Sozinha, destruída, humilhada por ter feito uma faculdade qualquer, por não querer estudar, por odiar a leitura, por pensar que arte é coisa tosca e que festejar e beber cerveja é a melhor coisa do mundo, Marileja olhava, na esquina da rua 7 de setembro, onde, por sinal, trabalhava como vendedora de cosméticos, a idiota, a ridícula, a patética Fernanda, agora dona de uma clínica fazendo mais de 50 mil reais por mês, sem nem a necessidade de trabalhar e prestes a ter o seu primeiro filho, planejado, ao contrário dos três estorvos de Marileja, pois era assim que ela os considerava.

A inveja, finalmente. Nem todos os maus dançam no final da história: mas mais cedo ou mais tarde, sentirão inveja de quem um dia pisaram em cima.