MEUS VINTE ANOS
Há uma canção, interpretada por Charles Aznavour (cantor francês, quatro meses mais velho do que eu), uma das mais bonitas do seu rico repertório, que costumo ouvir com certa frequência, pela poesia da sua letra e beleza de sua melodia. O título dessa canção é “Hier” (Ontem), na qual relembra, metaforicamente, que “ontem” tinha vinte anos e, então, “acariciava o tempo e brincava de vida como quem brinca de amar”, e que vivia as noites sem contar os dias, que corriam pelo tempo. É a revelação de como os anos passam rápidos e de como são ilusórios os sonhos não fundamentados na realidade da vida.
Também fui assim e tenho quase a certeza de que a maioria dos jovens, nessa idade, igualmente o fora. Aliás, eu não fui exatamente assim; se também fundei muitas esperanças, os olhos vasculhando o céu, o coração estava preso à terra. O jovem que não se portou assim eu penso que desperdiçou a fase dourada da vida. O fato de haver acalantado sonhos venturosos e alimentado belos ideais, não significa que o fez sem deixar de pensar no futuro. Diz o famoso cantor: “Eu fiz tantos projetos, que não fiz outra coisa, e agora estou ofegante.”
Se a infância é a aurora da vida, a fase lúdica em que o pensamento está sempre voltado para as brincadeiras próprias da idade, embora subordinadas a um natural e necessário controle dos pais, a adolescência – que começa aos doze e vai aproximadamente até aos dezoito, esta é a fase dos sonhos, quando surgem as primeiras manifestações da puberdade e na qual o coração já começa a palpitar para o amor. Já a mocidade eu a enquadraria entre os dezoito e os vinte e dois, período que pode variar conforme a influência do meio em que convive. Hoje, nos tempos chamados modernos em que vivemos, tudo pode ser – ou é? – diferente do passado. Eu posso dizer que recordo com saudade todas as fases da minha vida, da infância à juventude, inclusive a maturidade, que em mim, graças a Deus, chegou cedo, pelo ingresso no Banco do Brasil aos dezenove anos e o casamento aos vinte e dois. Na juventude, também costumava olhar o céu, mas sem tirar os pés do chão, atento aos ensinamentos da vida.
Olavo Bilac, o príncipe dos poetas brasileiros, disse, em belo poema: “A mocidade é como a Primavera/A alma cheia de flores resplandece/Crê no Bem, ama a vida, sonha e espera./ É a idade da Força e da Beleza/Ama o futuro e ainda não tem passado.”
O avanço da chamada Civilização, com seu progresso científico, no meu entender tirou todos os antigos encantos da vida. Não se ama, atualmente, como no passado. Por mais sincero que pareça o amor de casais que se beijam sofregamente e às escâncaras, a união não dura, às vezes, mais que um ano. Dificilmente se vê um casal permanecer unido por muitos anos ou por toda a vida, como no meu caso, em que o casamento com Brasília já completou 66 anos. E peço a Deus que, mesmo na idade em que já estamos e com o dissabor da doença que lhe tirou quase toda a lucidez e o vigor, mesmo assim permita Deus que se prolongue por mais alguns anos.
Hoje, já velho, vivendo uma vida de quase solidão, só me restam as recordações. Não fora a presença constante da numerosa família; não fora o gosto pela leitura que me foi incutido pela minha mãe; não fora, também, o gosto pela boa música, que não sei como surgiu - acho que do meu temperamento romântico desde a adolescência; finalmente, este pendor para escrever, bem ou mal, uma salutar forma de passar os dias, assim quase como se sucedem as horas. Aliás, no meu livro “Crônicas Anacrônicas” há uma com o título “A Velhice”, na qual falo sobre as diversas fases da nossa vida, analisando cada uma, com as características que lhe são peculiares.
Assim é a vida. É preciso saber usufruí-la a fim de que possamos tirar dela o melhor proveito. Para finalizar esta crônica, transcrevo alguns versos da canção de autoria do genial artista Charles Chaplin, na qual nos concita a enfrentar a vida com alegria:
“Ilumine seu rosto com alegria
Esconda qualquer traço de tristeza
Embora uma lágrima possa estar tão próxima
Esse é o tempo que você tem para continuar tentando
Sorria, o que adianta chorar?
Você descobrirá que a vida ainda continua
Se você apenas sorrir.”
Mas, com que idade e em que circunstância ele terá dito isso?