COMO O TEMPO PASSA! (OU CONVERSA COM A MINHA ALMA)
“Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou”. Bíblia Sagrada
Quando eu era menino e frequentava as aulas de Catecismo, ficava intrigado pensando em como Deus, em apenas seis dias de 24 horas, conseguira fazer tudo o que constitui o Universo. Só quando ingressei no Ginásio Diocesano, o Pe. Jorge O’Grady de Paiva, seu diretor e professor, explicou que os dias de que fala a Bíblia não eram de 24 horas, e que em cada etapa da criação Deus poderia ter levado milhares ou até milhões de anos, não anos como concebemos hoje, mas um tempo definido pelo Criador.
Só em 1582, o Papa Gregório XIII reformou o calendário juliano (implantado por Júlio César em 46 a.C.), ajustando-o ao exato movimento da Terra, de 24 horas, em torno do seu eixo, tempo que passou a chamar-se Dia, e de 365 dias e fração em torno do Sol, demora que equivale a um ano. É admirável quando se medita sobre a exatidão desses movimentos, assim como o de todo o Cosmos.
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Esse foi um introito para uma crônica que pretendo escrever nesta tarde de quarta-feira, dia 20 de fevereiro, mês que, neste ano, só tem 28 dias (os de 29 dias só ocorrem em anos bissextos, isto é de 366 dias), dias que, mesmo vindos de longe, do começo dos tempos, passam velozes como o vento que ora sopra do Nordeste; pois bem, neste dia completei já 88 anos e mais cinco meses. É que, agora, nesta altura da vida, vou registrar cada mês como mais uma etapa vencida, sem deixar de celebrar cada ano a mais que conquistar.
Escrevo agora esta crônica porque não tenho outra coisa a fazer. Isto é, ter o que fazer, tenho, como ler, organizar meus papeis (pois meu escritório está uma babel), selecionar os textos de um novo livro que pretendo ainda publicar, se Deus quiser (o conteúdo está pronto, falta apenas ordená-lo e revisá-lo) – ou ainda fazer algumas coisas que não me custam esforço nenhum, assim como apenas apertar um determinado botão de um controle remoto para ligar a TV e, se não tiver nada que me agrade, acionar o aparelho de som para ouvir um dos cinco CDs de música instrumental, selecionadas, que nele estão postos, justamente para acompanhar-me na leitura de algum livro. Pois bem, nem para isso, neste dia, agora, neste momento, sinto disposição. Preferi estirar-me, por algum tempo na minha velha poltrona, companheira já de muitos anos, e refletir sobre o presente ou ficar ruminando o passado.
E dessas meditações estão brotando estas reflexões que tentarei justificar, porque refletir é um dom do espírito e ele necessita disso. Perdoe o leitor pela mudança quase brusca de assunto. Foi, por assim dizer, uma invasão de campo. Ah, como tenho sobre o que pensar, o que recordar, ou sobre o que “ruminar” (no dicionário: remastigar, matutar, remoer, refletir)! Volvo os olhos da alma para o passado e eles, os olhos da alma, quase independentes da minha vontade, saem percorrendo desde os mais remotos ambientes, trazendo para conversarem comigo velhas e queridas lembranças, quer sejam pessoas amigas que foram marcantes nas diversas fases de minha vida, quer sejam episódios inesquecíveis. Já falei com a minha alma, já conversei com ela, já lhe disse que evocar essas coisas do passado me parece tempo perdido, já que elas não voltam mais.
- “Perdido como? retruca ela. Se assim pensa, por quê já escreveu tanto contando as suas memórias, em narrativas impregnadas de saudade, até contagiante? Se assim pensa agora, então há tantas coisas do presente, tantos acontecimentos que você pode comentar! Tantos livros que você lê e sobre os quais pode escrever uma resenha!”
Interessante é como o pensamento da gente se transporta, num átimo de segundo, para os mais distantes lugares. Por falar em alma, imediatamente me lembrei de seu Manoel, um cidadão sério e respeitado, que era arrendatário de uma cantina na agência do Banco do Brasil, em Caruaru-PE, localizada no segundo pavimento do prédio. A gerência também ficava no mesmo pavimento. Aqui e ali eu ia até lá e pedia: “Um cafezinho, seu Manoel, para esquentar a alma”. Ele ria e costumava dizer: “Está certo, seu Obery: alma é uma coisa e espírito é outra.)” Segundo Aristóteles a alma é a substância do corpo. Na verdade, tanto no Dicionário Bíblico quanto no Dicionário Filosófico há definições distintas – não tanto – do que sejam uma e outra. (Mas, deixemos este tema para lá, pois ele transcende ao meu entendimento, à minha inteligência.)
Ah, minha querida e generosa alma, você não parece estar dentro de mim. Sei: é que deseja reanimar-me, não quer que eu esmoreça ante os problemas que enfrento, inclusive os do meu próprio corpo.
- “Então ore, tenha fé, e Deus cuidará disso: basta confiar Nele e entregar tudo em Suas mãos que Ele os resolverá, talvez não exatamente como você gostaria, mas a Seu juízo. Lembre-se que você tem sido uma pessoa privilegiada por Ele e o destino da vida daqueles que Ele lhe deu e confiou à sua guarda, a Ele é que cabe decidir.”
Depois desse diálogo, andei pensando bem: acho que a minha alma tem razão. Vou tentar mudar de comportamento. Em vez de mergulhar na nostalgia do passado, doravante só buscarei nele lições de experiência – embora, nesta idade, já tenha acumulado muita, sendo, porém, o caso de dizer: quanto mais, melhor. Com certeza elas, as experiências acumuladas, ainda poderão ser úteis na condução da minha vida. Narrando-as, verbalmente ou por escrito, aqueles que ainda dependem de mim ou que ainda me ouvem, poderão tirar algum proveito.
* * *
Depois que comecei a escrever este texto, o tempo foi passando, as horas se sucedendo, e eis que consegui atingir mais um mês, o de março, por sua vez passado em branco. E já estamos em abril, que espero também ultrapassar, se Deus quiser. A Ele, a cada dia que passa, mesmo sentindo o peso e os achaques da idade, rendo o meu agradecimento. Aliás, agradeço-Lhe por cada minuto que supero, pois de minuto a minuto é que se conta o tempo.
Ah! Conforme já disse, estamos no mês de abril. Venham, maio, junho, julho, agosto e setembro, o meu mês mágico. Será que ainda o alcançarei? Deus é quem sabe.
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Vou, agora, encerrar esse diálogo e revelar algumas observações, ou melhor, algumas conclusões a que cheguei depois da minha longa vivência. Para as crianças, o mundo é um amplo parque de diversões; para os jovens tudo é fantasia, é sonho, é esperança; já na maturidade, é a luta para concretizar os projetos idealizados e, quando se tem bom senso, procurar constituir um lar, que será o refúgio destinado a seu repouso reconfortante para suas canseiras. Mas, quando se atinge a velhice, acumulada toda a experiência do tempo vivido, pretendemos dar aulas de sabedoria, de capacitar os jovens para enfrentar a vida.
Meus pais, sob a inspiração de Deus, souberam orientar os filhos, a começar pelo primogênito, José Augusto Rodrigues, advogado e professor, meu grande amigo e meu mestre. Assim, abaixo de Deus e da sensatez dos meus pais, em todas essas etapas, eu agradeço pelo exemplo do meu irmão. Esperamos ter sabido, eu e Brasília, orientar os nossos filhos como nossos pais o fizeram, pois todos eles estudaram e se formaram nas mais diversas profissões, constituíram família, são realizados e são felizes.
Portanto, missão cumprida, graças a Deus.