Mendigos no Brooklin

Silêncio no Brooklin, pedia o Bidu, diz-se que que sem metáforas. Eu com muito barulho na cabeça, me pergunto: Mendigos no Brooklin? Isso não combina com o lugar.

O Brooklin é um bonito bairro, as ruas são retilíneas, tem nomes de estados americanos. Muitas árvores frondosas, e até mesmo frutíferas, casas antigas, grandes, e prédios de alto luxo, muitos ainda em construção. Uma grande organização.

Os prédios avançam no Brooklin. As casas serão todas derrubadas, e em seus lugares serão erguidas casas sobre casas, prédios de alto luxo.

A presença de árvores no bairro é muito valiosa para os empreendimentos.

Existem muitas árvores frutíferas no Brooklin. Amoreiras, ameixieiras, romanzeiras, e ainda outras: pés de acerolas, abacateiros e outras que eu ainda estou por descobrir.

Poucas pessoas circulam nas ruas do Brooklin. Gente como eu que trabalha nos arredores. Mulheres sisudas acima do peso com roupa de ginástica. Alguns poucos velhinhos. E o pessoal da casa: as empregadas levando os cachorros e fumando cigarros, funcionários do pequeno comércio, entregadores de água, varredores de ruas.

Nas portas dos imensos predios seguranças pretos protegem o dinheiro dos brancos.

Muito silêncio. As árvores, os pássaros, as casas que ainda restam , os prédios de alto luxo, e os prédios que avançam, esqueletos de aço, ferro e tijolos, concreto aparente, vidro blindado, poucas pessoas nas ruas.

As ruas são repletas de carros estacionados. É comum que as pessoas no Brooklin possuam mais de um automóvel.

Mesmo os congestionamentos obedecem a uma ordem , um ritual. Todos saem no mesmo horário, todos voltam no mesmo horário. Tudo muito organizado.

Neste dia, mais um dia ensolarado, em que no meu horário de almoço procuro refúgio na gloriosa sombra das árvores frutiferas, ou das sibipurunas, ipês e quaresmeiras, as árvores comuns do passeio paulistano, mas nem por isso menos belas ou surpreendentes, surpreendo-me com a presença de jovens pedindo esmolas em frente ao mercado.Fazendo um pequeno barulho.

Tudo indica que sejam noiados: o olhar estatelado, a sujeira das roupas, a atitude imprudente.

Apesar das minhas duzentas pratas no bolso eu digo que não tenho nada para ajudar. Não é por princípio, por preconceito, mas eu vejo que eles não estão somente pedindo, parecem prontos para atacar em algum vacilo ou titubeio.

Sigo andando tranquilo. Ali onde ontem havia uma casa,e amanhã haverá um prédio de luxo, deparo-me com uma cena inusitada. As árvores receberam etiquetas com seus nomes em latim e um sinal de que seriam replantadas em outro lugar. No mesmo lugar outras árvores, também com seus nomes em etiquetas, não mereceram tal sorte. Nelas estava escrito: Descarte.

Imagino que outras árvores tenham recebido uma etiqueta dizendo que elas deveriam ficar onde estavam. Tudo muito organizado.

Aparentemente não havia diferença entre as árvores. Seu tamanho, sua rugosidade, a sombra que elas proporcionavam, a sobriedade de suas estruturas, a passividade com que encaram seus destinos, sua beleza intrínseca, a delícia de suas frutas, eram similares.

A etiqueta que receberam, imagino eu, obedeceu ao seguinte critério: elas estavam no lugar errado, e assim foram descartadas; ou estavam no lugar certo e assim foram mantidas.

Os nomes da árvores em latim são bonitos, sonoros e majestosos. Prunus domestica, Punica Granatum, Rubus Fruticosos. São classificadas por um sistema rigoroso: Divisão, Ordem, Família, Genêro.

A classificação das plantas, e a ideia de colocar nomes nelas em latim, deve-se ao jovem Lineu, que não satisfeito somente em desfrutar de longos passeios solitários e silenciosos em lugares repletos de árvores, também criou um sistema de classificação de extremo rigor e ordem, muitissímo preciso e que eficazmente satizfaz o desejo de muitos por ordem, classificação e colocar as coisas no lugar.

Volto ao ponto de partida. Na porta do mercado os jovens noiados que pediam esmolas, e pareciam prontos para atacar em qualquer vacilo ou titubeio, não estavam mais lá.

Não notei nenhuma etiqueta colada neles, escrito: Descarte, mas no Brooklin, eu sei, existe toda uma ordem, um sistema organizado que coloca as coisas no lugar.