* O poeta e o mágico participavam de um debate sensacional.
Após os dois discursarem, o imenso público decidiria quem é mais importante através de uma votação.
A expectativa era indescritível.
Certamente essa disputa marcaria o século.
 
O mágico apresentou seus sete “trunfos”: a imprescindível cartola dos mágicos, a varinha, os pombos, a assistente gostosa, a curiosidade, o coelho e o tradicional lencinho.
Os trunfos que o poeta escolheu apresentar foram a metáfora, a inspiração, o sonho, a esperança, o livro, a lágrima e o lápis.
 
O mágico começou a discursar:
 
“Como existiria o poeta se não houvesse o mágico?
A poesia só é possível convencer nos levando até a ficção profunda. Pois bem, como penetrar completamente no universo ficcional sem estar habituado à ilusão?
Como viveriam os poetas caso nós, os mágicos, não moldássemos as mentes humanas, através do nosso labor, a aceitarem a conotação, nutrindo assim a convicção natural de que tudo é possível se adotamos uma ótica diferente?
Por exemplo, os cinco dedos de cada mão estendida, olhando para a mão através de um ponto fixo, totalizarão dez dedos.
 
Não somos nós que fazemos o ser humano ver o que não enxerga, ouvir o que ninguém escuta ou sentir além da sua percepção limitada?
Afinal de contas, sem os mágicos ninguém aceitaria o imperceptível nem o que escapa aos cinco sentidos conhecidos.
A magia favorece essa receptividade que os poetas, com suas viagens mirabolantes e estranhas, tanto desfrutam ignorando o motivo.
Se os poetas obtêm êxito e geram efeitos inexplicáveis com as criações literárias que produzem, eles não realizam algo que permite recordar perfeitamente aquilo que denominamos magia?
Não há dúvida, portanto, de que os poetas são beneficiados pelos mágicos no ofício que ministram.
Por isso, peço que reconheçam a superioridade inquestionável dos mágicos em relação aos poetas, inexpressivos sem a participação dos verdadeiros artistas que tocam e seduzem as almas, os magnânimos autores da arte mágica.
Obrigado!”
 
Sem perder tempo, o poeta sereno iniciou a sua fala:
 
“Sobre o discurso do nosso amigo mágico, admito a gentileza e a cooperação dos admiráveis profissionais da magia, provocando a imaginação das pessoas, tornando-as acessíveis ao subjetivo, fazendo que abandonem as algemas do previsível e óbvio.
Nós seríamos ingratos demais caso não admitíssemos essa intervenção tão útil da qual certamente nos beneficiamos.
Gostaria de reverter, porém, o raciocínio apresentado.
Como sobreviveriam os mágicos se não houvesse os poetas?
De que forma a distração prevaleceria ou a ilusão surtiria o efeito preciso caso as pessoas não estivessem habituadas às viagens “mirabolantes e estranhas” que os versos facultam?
Após uma mágica, as pessoas ficam imaginando onde está o segredo, qual é o truque o qual não conseguiram perceber.
Satisfeitas aplaudem o número primoroso que o brilhante mágico efetuou.
Desfrutando a leitura de versos, não existe mistério algum a desvendar, não há truque que possa ser revelado.
Os aplausos são louváveis, mas o poeta jamais pede o reconhecimento de ninguém nem acha fundamental que elogiem os seus poemas.
Ele está consciente de que o melhor prêmio da poesia é a própria poesia.
 
Os versos que escreve são gritos desabafando a lágrima contida nas profundezas íntimas da humanidade.
O poeta sempre fala sobre os sentimentos de cada indivíduo os quais ele consegue exteriorizar com perfeição.
Quem lê chora, sorri, fica muito emocionado, algumas vezes revoltado, no entanto jamais indiferente.
A vida perde a frieza, os obstáculos somem, a esperança ganha fôlego e a felicidade passa a existir.
O cidadão começa a acreditar no que antes parecia uma bobagem ou era definido como impossível.
Nesse exato instante os mágicos possuem o caminho aberto e livre podendo atuar.
Eles precisam admitir, portanto, que o terreno o qual tão bem sabem percorrer foi preparado gentilmente pelos poetas.
Aceitem minhas sinceras saudações!”
 
Depois dos maravilhosos discursos, efetuaram a votação.
A contagem dos votos ressaltou um inesperado empate.
O sábio, que já aguardava o resultado, tomou a palavra.
 
“Meus estimados cidadãos, o empate ocorrido não me surpreendeu, pois não há sentido algum nesse confronto.
Como definiremos se o arroz é mais saboroso do que o feijão?
Seria possível dizer que a noite é mais sedutora do que o dia ou que o sol fascina mais do que as estrelas?
Conseguiríamos comparar a formosura ou o perfume das flores? Segurando uma rosa e uma violeta, quem ousará preferir uma a outra?
Enfim, por que encontraríamos um vencedor entre o mágico e o poeta?
 
Sem a ilusão que os mágicos dominam de maneira magistral o poeta jamais penetraria o coração dos que bebem a poesia.
Sem a metáfora que envolve o leitor fazendo com que ele mergulhe no incrível oceano dos sonhos, como os mágicos convenceriam realizando os números diante de pessoas amargas e céticas?
O bom senso manda um reconhecer a preciosa contribuição do outro, tolerante, humilde e agradecido.
Solicito, então, que encerremos definitivamente essa tola competição, aplaudindo os dois com total respeito e carinho.”
 
O mágico e o poeta, escutando os aplausos incessantes de todos, decidiram iniciar uma bela e inabalável amizade através de um abraço emocionado.
 
* Sabendo que esse inútil embate existiu, eu fiquei tentando imaginar como seria juntar a criação de versos com um número de magia.
Como poderíamos unir magia e poesia no mesmo espetáculo?
 
"O poeta comovido derramou uma lágrima que caiu dentro da cartola. O mágico, então, tirou da cartola uma metáfora misturada com a esperança do imenso público.
A assistente gostosa se aproximou entregando ao mágico um lencinho e uma caixa contendo pombos.
As pessoas presentes expressaram grande curiosidade quando o poeta, usando um lápis, escreveu uma frase no lencinho.
O mágico sorridente leu a frase “O sonho é possível”.
Aproveitando a distração das pessoas nesse instante, o mágico abriu a caixa dos pombos.
Seis pombos voaram e desapareceram.
O mágico tocou sua varinha na caixa vazia, colocou a mão lá dentro e retirou um livro azul.
O mágico entregou o livro ao poeta.
Quando o poeta abriu o livro, um coelho saiu das páginas e fez todos suspirarem deslumbrados.
O espetáculo chegou ao fim."
 
Encerro desse jeito minha crônica, porém, caso alguém comente que, sobre os trunfos destacados no número que uniu magia e poesia, faltou aparecer a palavra “inspiração”, eu devo responder formulando uma última pergunta.
 
Depois de ler o texto acima, é prudente questionar onde está a bondosa inspiração?
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 19/03/2013
Reeditado em 19/03/2013
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