Capítulo 02
O Vectra estava silencioso, a chuva fraca de fim de tarde batia no pára-brisa do carro fazendo um som que dava sono á Marco. Até agora ninguém se pronunciara e o silencio já incomodava o detetive.
Não se conformava com o motivo da raiva de seu parceiro. Caio era espírita, sempre vinha com um papo furado de evolução do ser humano e outras baboseiras que Marco nem se dava ao luxo de tentar entender. Desde a época que se conheceram, Caio sempre fora um pacifista, não gostava de brigar em bares, nunca traíra a Talita, sua namorada desde as épocas de colégio e agora sua esposa (e chances, Marco sabia, não faltavam). Seu parceiro era um rapaz bem apessoado, com ar de mais velho do que seus 25 anos aparentavam, sempre bem vestido com uma calça Jeans não de marca, mas sempre bem passadas, e uma camisa de botão com as mangas dobradas, Caio sempre teve notas excelentes, era formado em direito e devia ser delegado agora, mas ele decidira por estar envolvido diretamente com os crimes, queria mudar o mundo, um crime de cada vez. O policial usava uma pistola Taurus, num coldre embaixo do braço: discreta e prática como ele.
Marco, por sua vez, era um atleta nato, tinha 22 anos e estudou no mesmo colégio de Caio, não recordava direito onde começou a amizade, talvez do time de futebol, mas o fato era que realmente não se lembrava. Ele optava por calças jeans surradas, usava uma 45 na cintura e um 38 no tornozelo: “O negócio é fazer estrago” - disse quando Caio perguntou o porquê de uma 45. Era do mesmo jeito com as mulheres, gostava de chamar atenção, Marco detestava compromissos longos e sérios, na verdade, não sabia o que detestava mais: longos ou sérios, mas com certeza, o pior eram os longos E sérios. Ele fez parte do BOE um grupo de operações especiais da polícia militar e em 3 semanas de operações resolveu sair: “Polícia burra!” - ele dizia. Ingressou na Polícia civil há apenas 1 ano, Caio já estava aí á quase 5, era como se fosse seu tutor. Marco era o padrinho de Ani, a filha de Caio que tinha apenas 4 anos de idade, amava a garota, sempre que chegava na casa do parceiro, ela vinha correndo gritando: tio Maco, tio Maco! – ele nas primeiras vezes apareceu com suas namoradas, cada encontro com uma diferente, apresentando á Ani como: tia Débora, tia Sarah, tia Marta,.... Talita pediu que ele parasse de trazer suas namoradas em casa: “nada contra, mas a Ani não entende o porquê de tantas tias” – disse uma vez numa conversa em particular e Marco levou numa boa, sem problemas, ele também adorava a Talita, ficava feliz de ver como a família de Caio era unida. Incrível como as menores famílias são as mais unidas. Ficava feliz por Caio nunca ter aceitado as mulheres que Marco insistia que ele pegasse. Agora o que estava acontecendo com a Talita, alguma doença, parecia ser uma cólica violenta, mas Caio disse que ela nunca teve problemas com cólicas tão fortes, iria levá-la ao médico.
Marco acordou de seus pensamentos.
- 10 meses. – disse Caio e deu uma pausa – 10 meses jogados no lixo.
- Como jogados no lixo? – retrucou – ele está morto, não está?
- Nós deveríamos tê-lo prendido, Marco. – disse em tom irritado.
- Corta essa, você não viu o estado daquela senhora! Vá se ferrar! Eu o teria matado de novo! Eu teria colocado balas de sal e matado aquele filho da puta da forma mais lenta e dolorosa possível! Enfia no cú o que o Alain Kardec disse!
Ele disparou para tentar impedir que o Inquisidor matasse a mulher, mas era tarde demais, depois que seus miolos explodiram, eles viram o corpo da senhora já destroçado: a barriga aberta com as tripas para fora, sangue misturado á merda. A velhinha ainda estava viva, respirava com dificuldade e os olhos estavam desesperados, como olhos que pedem ajuda aos policiais para viver e ajuda á Deus para morrer logo, é algo muito estranho ver uma pessoa morrendo lentamente, mais estranho ainda é ver uma senhora morrendo: viveu toda uma vida de tristezas e alegrias,nada mais justo que morressem de outra forma, pensava Marco. “Agora já era” – disse pro policial que estava mais assustado – “engole seco garoto, não é a última coisa do tipo que você vai ver.”
Caio deu uma pausa e recomeçou.
- Desculpa cara, mas vai contra os meus princípios, você é meu parceiro e eu te apoio nas suas atitudes, não deveria, mas acho que você fez o que era certo no momento, você não sabia que ela já estava praticamente morta. Vamos esquecer isso está bem?
Mas Marco não podia esquecer, não uma velhinha com as mãos levantadas pedindo ajuda como se ele fosse um anjo ou mesmo Deus. “A pior sensação que existe é a de impotência” dizia seu pai, ele sempre pensava que estava falando de sexo, mas agora entendia o que seu pai, tenente dos bombeiros queria dizer com impotência.
Próximo á meia noite, Marco ficou em um pub próximo á sua casa, no centro, uma instalação modesta, mas aconchegante que ele costumava ir após um grande stress. O pub tinha uma porta de vidro grande que permitia as pessoas do lado de fora enxergassem quem estava dentro, as paredes eram de madeira, dava uma aparência daquelas estalagens que abrigam viajantes nas montanhas da Europa, no interior havia um bar, com garrafas atrás dele em prateleiras divididas entre uísques, vinhos, vodkas e absinto, numa geladeira atrás ficavam as cervejas. A iluminação era boa, uma claridade considerável de luz amarela permitia que todos se enxergassem dentro da casa. Havia várias mesas circulares no bar, mesas para quatro pessoas, o bar estava praticamente vazio, exceto por Lênin que era o barman e por uma mulher que estava sentada numa das mesas, de costas para a porta. Marco entrou e se dirigiu ao bar.
- Aqui está – disse Lênin passando a garrafa de cerveja antártica que Marco sempre pedia.
- Tá, valeu! – agradeceu Marco levantando a cerveja em cumprimento – tira uma cerva na minha conta pra você Lênin, e não aceito “não”,...... nós o pegamos!
Lênin sorriu devagar até entender do que se tratava.
- Ah meu rapaaaaz! Parabéns! Essa eu vou tomar com você! Pode ser Bohemia? - respondeu o barman sorrindo e abrindo uma cerveja. Eles brindaram. Marco levou o gargalo à boca e deu um grande gole pra matar a sede. Lênin bebeu apenas um gole pra molhar a boca.
Marco olhou pra trás e viu a moça sentada na mesa. Estava com um drinque, provavelmente alguma coisa com vodka, havia notado que a garrafa de Smirnoff estava em cima do bar, olhos de detetive, pensou.
- Quem é ela? – perguntou ao barman.
- Ah, essa aí se chama Catarina, é a primeira vez que a vejo aqui. Não sei qual o problema dela, simplesmente entrou, perguntei seu nome, ela disse e começou a tomar caipiroska. Já é a quarta que servi á ela.
- Lênin, faz dois Cuba Libres pra mim, beleza?
Lênin levou menos de dois minutos e entregou ao amigo.
Marco se levantou do bar e caminhou até a mulher com os drinques. A mulher aparentava ter uns quarenta anos. Vestia uma blusinha preta com um casaco por cima, vermelho escuro, quase vinho, estava vestindo uma saia vermelha do mesmo tom, ela usava uma maquiagem discreta, apenas sombras nos olhos e um batom neutro, o perfume ele conhecia: Sol, não sabia lembrava qual a marca, mas o cheiro era ótimo. Marco olhou os pés da mulher, sempre olhe os pés, meu Marquinho, uma mulher que não tem tempo pra cuidar dos pés, não tem tempo pra cuidar daquilo lá embaixo, dizia seu finado avô. Os pés eram bonitos, ela não usava esmalte, talvez só uma base, não tinha como saber, ainda estava á uns quatro metros da mulher. As coxas eram bem torneadas, ela estava de pernas cruzadas e isso realçava o seu volume. Ela não sorria, estava com um humor entre o: “não estou pra papo” e “vai se ferrar”, os cabelos eram volumosos, ondulados e pretos, a pele era morena clara, do tipo natural, não morena praia. Os seios não era grandes mas também não eram pequenos, mas Marco sabia que ali tinha silicone, redondos demais, pensou. Marco finalmente chegou, colocou o drinque na mesa e quebrou o silêncio.
- Oi! – falou. Ela olhou pra ele, linda, tinha olhos azuis. Marco tirou seus óculos escuros. – aceita um drinque?
Catarina não respondeu, limitou-se á baixar os olhos e continuar mexendo com o canudo em círculos. Ela achou o rapaz bonito, mas o clima não estava bom.
- Por que brigou com seu noivo? – perguntou Marco.
Ela levantou os olhos pra ele, azuis, penetrantes, ele sorriu pra ela, tinha olhos verdes e aquelas covinhas no rosto ao sorrir, a barba estava meio rala, mas ela se interessou. Ele passou o drinque á ela e brindaram, da parte dela, timidamente. Olhava no fundo dos olhos dele, quem é esse garoto?, pensava ela, Marco tinha vinte e dois anos contra seus trinta e nove, situação complicada.
- Como sabia que briguei com meu noivo? – perguntou, com os olhos apertados, dando um ar de curiosidade e indignação ao mesmo tempo. Marco sorriu. Aquelas covinhas atraíam a atenção da moça e Marco sabia disso, não parou de sorrir.
- A marca da aliança na mão direita. – respondeu apontando com o copo para a mão da mulher. Ela se impressionou e tomou um longo gole do drinque que ele ofereceu.
- Nossa! – foi tudo o que conseguiu dizer.
- Olhos de detetive! – ele disse.