Capítulo 01
- Eu quero todo mundo fora daqui, agora! – gritou o tenente Carlos, policial militar do GAS (Grupo Anti-sequestro) – Tira a imprensa pra trás daquela faixa amarela! – falou para um PM que estava ao seu lado.
Olhou para Caio e Marco.
- E vocês dois também, podem cair fora. –ordenou para os 2 detetives do departamento de homicídios.
-Nem pensar! – protestou Marco – estamos atrás desse cara faz quase 10 meses e quem vai efetuar a prisão é a Anti-sequestro?! – falou com certo desprezo ao pronunciar o departamento.
O tenente não deu atenção aos dois, apenas fez sinal com a cabeça para que o PM que acabara de enxotar a mídia enxotasse os dois também.
-Desgraçado – comentou Marco assim que saíram da faixa amarela – isso só pode ser piada. Como você pode ficar calmo assim?
A indignação de Marco na opinião de Caio era perfeitamente compreensível, há 10 meses eles estavam atrás de Severino Antônio de Sousa, o Inquisidor. Segundo o psicólogo da polícia, era um cara com sérios problemas mentais, segundo Marco era um doido varrido.
O Inquisidor acreditava estar fazendo um trabalho divino. Tinha tudo para ter sucesso na vida: era formado em administração de empresas e trabalhava como gerente de uma concessionária. Largou o emprego para pregar a palavra do Senhor no terminal de ônibus. Passava a tarde toda falando sobre pecados, que as pessoas deveriam rezar, que o fim estava próximo, etc... á noite fazia suas vítimas: normalmente garotas com camisas de rock, piercings por todo o corpo, fedorentas e que passavam debochando dele.
Seguia a vítima até sua casa e antes que ela entrasse, as atacava com clorofórmio para desmaiá-las e as carregava com o braço da garota em volta de seu pescoço para quem passasse na rua pensasse que estava ajudando uma amiga muito bêbada ou drogada. Ninguém nunca notou nada porque as pessoas sempre taxam essas garotas como constantemente bêbadas e drogadas, dessa forma, ele as levava á um prédio em construção abandonado e lá fazia o seu ritual de purificação: estuprava, queimava com cigarros e charutos, esmagava as juntas dos dedos das mãos com uma espécie de anel com uma porca, que ele girava e apertava o dedo das vítimas e por fim matava a garota estrangulando-a.
Caio e Marco tiveram muita dificuldade para encontrar a identidade do inquisidor, principalmente pelo fato de que ele nunca deixou uma gota de sangue para trás. Um estudioso em teologia e história explicou á eles que os rituais de purificação que a Igreja fazia na época da inquisição proibiam o derramamento de sangue. Isso foi um aliado ao lado de Caio e Marco na caça ao Inquisidor: ele carregou uma garota para o seu prédio e na tentativa de estupro, ela bateu a cabeça contra o chão e começou a sangrar bastante. Ao ver o sangue, Severino logo abandonou o ritual chamando-se de idiota e caiu num choro desesperado pedindo perdão aos céus. A garota levantou a calcinha e saiu correndo em desespero. A partir dela, Caio e Marco estavam na pista certa. Ela lembrou-se de tê-lo visto pregando no terminal e dali em diante foi fácil: todos sabiam quem era Severino, o profeta doido do terminal. Caio e Marco descobriram onde era sua casa e ali estavam os dois:
- Atrás de uma faixa amarela- reclamou novamente Marco – só não sei como aquele maluco previu tudo isso.
O que nem Caio nem Marco sabiam era como Severino descobriu que eles iam efetuar sua prisão naquele dia e naquele momento. Assim que descobriram sua identidade e endereço, passaram a informação pedindo reforços e se dirigiram para sua casa no Vectra de Caio, sem sirene e nem alarde nenhum.
- Ele é um maluco inteligente. – comentou Caio pegando seu celular e discando um número.
- Sim senhor! – falou obediente o tenente Carlos no celular que Caio lhe passara – É pra já capitão.
O tenente encarou os dois por vários segundos, a cabeça soltando fumaça de raiva. Aqueles dois desgraçados tinham ido atrás de sua influente delegada para conseguir ingressar na operação e ela conseguiu desdobrar o capitão, agora não tinha jeito, eles estavam dentro.
- Peguem dois coletes no furgão – disse finalmente quebrando o gelo – nada de granadas. Sabem usar sub-metralhadoras?
- Eu cheguei a ser BOE, tenente – disse Marco com sarcasmo nos olhos. O BOE era o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, um grupo de homens muito competentes na arte de invadir favelas e em situações de combate.
- BOE hein?! – sorriu o tenente – E por que largou filho?
- Porque sou inteligente. – respondeu Marco tirando o sorriso do tenente com a mesma facilidade que colocou.
Caio e Marco estavam agora do lado do tenente Carlos, apenas Marco colocou o colete, Caio decidiu ficar com a parte burocrática da operação, desde que tivera uma filha decidira se cuidar mais. Marco era ao contrário: sempre muito mulherengo, adorava estar no centro das atenções com suas estórias sempre mais exageradas que o que realmente aconteceu. O tenente acabara de explicar a situação: O Inquisidor mantinha refém um casal de idosos: João Castro e Selma Castro e um cachorro Golden Retrevier do casal, chamado Zeca. Severino estava armado com uma faca, fechou todas as cortinas e ninguém sabia qual cômodo exatamente ele estava. Assim que descobriu que estavam indo prendê-lo e que não havia tempo para fugir, fez um convite á João e Selma, o casal veio á casa do Inquisidor para ver um filhote de cachorro que ele disse ter recebido e queria doá-lo. Sabendo do fanatismo deles por animais, foi muito fácil. Assim que entraram, loucos para ver o filhote de bulldog tão lindo que fora anunciado, Severino os rendeu e manteve até então.
- Ele está na linha – afirmou uma policial dentro do furgão.
- Deixa que eu falo com ele – adiantou-se Caio. O tenente pensou em protestar, mas lembrou-se das palavras do seu comandante: - A prisão é deles.
- Bom dia, Inquisidor, como nós estamos nessa manhã? – começou Caio amigavelmente. – Porque você não solta o seu João? Ele tem problemas de coração e asma, ele precisa de seus remédios.
- Está muito abafado aqui senhor Caio, você não acha que é melhor esse seu pessoal dar mais espaço? – respondeu amigavelmente.
- Sabe que eu não posso fazer isso.
-Você também sabe que não posso fazer o que pede. – disse o Inquisidor.
............
-Alô? Alô? Merda, ele desligou. – xingou Caio – Continue tentando ligar pra lá.
Já estava muito quente, o Sol indicava o meio-dia. Nenhum contato, nenhuma idéia, a não ser uma de um dos homens do GAS sobre cortar a energia da casa, fazendo a casa virar um forno: sem ventiladores, ar-condicionado, geladeira com água gelada, etc... tudo isso geraria um desconforto enorme no Inquisidor fazendo com que cedesse mais fácil. Caio lembrou o soldado de que lá dentro tinham dois velhinhos, o velho ainda tinha problema de coração.
- Se fosse para matar o velho a gente invadia logo, resolvia isso e ia pra casa almoçar – respondeu Marco.
4 horas da tarde
O telefone toca, Caio chega correndo e coloca a mão sobre o telefone, olha para a casa: as cortinas continuam fechadas, a casa tinha dois andares e ele nem imaginava onde o Inquisidor poderia estar, o grupo de assalto Alfa já estava posicionado na porta dos fundos, dois atiradores estavam num prédio em frente á casa, tudo estava perfeito, exceto pela imprensa que estava lá para registrar a cara de derrota da polícia se algo desse errado.
Ás vezes Caio se perguntava se a imprensa preferia que tudo desse em desastre para vender mais jornais... era uma forma bastante cruel de se pensar.
O telefone tocou de novo.
- Alô!
- Detetive Caio! – falou a voz do Inquisidor – estou com um problema aqui.
- Que problema? – Caio congelou, será que ele havia matado alguém? Será que o velho tinha começado a enfartar?
- Eu não vejo saída pra mim – começou – eu não tenho como sair porque você entupiu minhas portas com policiais, se bem que eu não quero fugir mesmo. – riu da piada sem graça.
Caio estava confuso.
- Faça suas exigências Severino e...
- Não me chame assim seu bastardo – gritou do outro lado da linha – Severino não está aqui! Quem fala convosco é o Inquisidor! E eu faço a missão divina que me foi confiada!
- Mas tem um erro nisso tudo – disse Caio – você vai punir dois velhinhos que nunca fizeram mal á ninguém! Que diabo de missão divina é essa? Eu estou folheando aqui a ficha do seu João e da dona Selma.... freqüentam a Igreja, fazem trabalhos comunitários, seu João doava sangue você sabia Seve... Inquisidor?
O Inquisidor estava calado.
Silêncio.............
- Não pense que você sabe alguma coisa sobre a minha missão – falou baixo, mas cheio de ódio e bateu o telefone.
- Inquisidor? Fale comigo! – disse Caio.
O telefone voou pela janela do andar de cima, quebrando o vidro.
-Entrem agora! Agora! – ordenou Caio
E a polícia entrou.
A entrada foi rápida. Apenas quem estava na frente de Marco era o tenente Carlos e um outro soldado que arrombou a porta com uma marreta e esperou todos os colegas invadirem para pegar o fim da fila. Agora Marco estava como o segundo da fila, portando uma escopeta nas mãos e sua Taurus na coxa direita. Lembrou dos tempos de BOE: invadindo favelas no Rio, matando os vira-latas á tarde para entrar á noite. Salário muito baixo, risco muito alto, Marco resolveu sair.
A equipe entrara na casa pela porta dos fundos que ficava na cozinha: uma bagunça, panelas sujas e amontoadas em cima da pia, o lixo não devia ser retirado á semanas, o cheiro de chorume era nauseante. Marco prendeu a respiração. A cozinha se abria para um corredor, os homens passaram por ele com passos rápidos e leves.
-Ele está no andar de cima! – disse Caio pelo rádio.
O tenente Carlos fez sinal para que todos apressassem os passos, chegando á sala, bem arrumada por sinal, com vários quadros de Jesus crucificado, ressuscitando, na última ceia, etc... muitos castiçais dourados e cortinas vermelhas fechadas que impunham uma luz vermelha e macabra á sala, os soldados subiram as escadas.
O andar de cima dava no meio de um corredor que se dividia para a direita e para a esquerda, Carlos parou por um segundo, apontou para Marco e mais dois e fez sinal para que pegassem á esquerda, ele e mais dois homens pegaram o caminho da direita.
Carlos e sua equipe iam em direção á porta aberta que ficava no fim do corredor. Passos rápidos, com a ponta dos pés no carpete fofo, quase não faziam barulho. O cachorro começou á latir.
- Cala a boca cachorro – pensou Carlos. O cachorro agora latia mais desesperado, o Inquisidor estava lá, Carlos tinha certeza, destravou a arma, aproximou dos olhos e preparou a mira. Entrou com uma grande passada, se pondo de joelhos para que seus companheiros tivessem visão. Nada! Apenas o cachorro que parou de latir e começou a chorar quando viu os policiais. Enquanto isso, Marco ia de encontro ao Inquisidor.
- Parado aí, não se mexe desgraçado! – ordenou Marco quando chutou a porta e entrou rapidamente, seus companheiros logo atrás. O inquisidor olhou calmamente para eles.
Os olhos arregalados de Marco queriam se fechar tamanha a atrocidade que via: sangue nas paredes, no chão e até no teto, pedaços de carne em cima da cama, junto ao corpo do que parecia ter sido um homem, faziam o vermelho sangue se confundir com o vermelho do lençol, e atrás da cama estava o Inquisidor, ajoelhado, olhando para os policiais e sorrindo, estava imundo de sangue. Ele se virou para o chão e levantou uma faca serrilhada acima da cabeça...
- Parado aí! Solta a faca! – gritou um dos policias atrás de Marco.
O Inquisidor começou á rezar, não podia ouvir os policiais.
- Eu te mandei soltar a faca!
Para o soldado Wellington ficou tudo turvo, ele nunca vira miolos estourando na sua frente. Marco disparara. Há muito tempo ele havia aprendido que o mais importante era a vida da vítima, ele não ia esperar a faca descer no que provavelmente era a velhinha ou....
- Meu Deus – disse o soldado Wellington.
- Mandem os médicos entrarem agora! – gritou Marco pelo rádio.