CENTRAL DO BRASIL / SARACURUNA - PLATAFORMA 12 LINHA L

Chegamos bem tarde àquele lugar , às nove horas da manhã . Numa terça-feira de outono , quente demais para se acreditar que o verão tinha acabado. Enfrentamos uma fila apavorante ... Não contei mas haviam , pelo menos , umas cento e cinquenta pessoas na nossa frente. Muitos adolescentes também . De certo , estariam buscando o mesmo , minimizar os gastos através da aquisição do Passe Livre nas composições. Tentei adivinhar-lhes os motivos olhando os rostos . Uns distraídos . Seriam os ingênuos , perigosamente crédulos nas boas intenções do governo dos homens . Outros , muito observadores e calados . Os revolucionários . Talvez , esperassem o melhor momento para darem o seu primeiro grito , fazendo ecoar a sua primeira sentença: "LIBERDADE , AINDA QUE TARDIA!" E ainda , os sorridentes . Sempre assim , não querendo prestar atenção aos dissabores da vida , escancarando as bocas , vendo graça onde nem mesmo existe o oxigênio. Então , imaginei que estávamos no picadeiro de um circo de variedades . E que seríamos os espécimes raros , dispostos a não nos entregarmos às classes já marcadas , rotuladas e sobreviventes. Senti medo , como o vento : de longe .

Alguém falou sobre a exigência de um documento com data limitada em trinta dias . Me acendeu um protesto , fundamentado nas Leis . E de um salto já estava em frente do telefone público , argumentando com a chefia administrativa . A fila se contorceu , virou um "S". Todos os rostos me olhavam , todas as bocas se moviam mas não se ouviu nenhuma palavra . De repente , quis gritar , como torcedora do flamengo na arquibancada do Maracanã em dia de jogo decisivo . Passaram-se duas horas . Nós já estávamos prestes a entrar na pequena saleta de atendimento . Um fiscal veio olhando a documentação de cada um na fila , detalhadamente . Afinal,uma vitória. Ele não disse nada além de um discreto "corretamente".

Voltamos para casa , repassando pelas sete estações . No carro onde estávamos , bem a nossa frente , um rapaz bebia um refrigerante . E como se escutasse uma ordem , jogou fora a latinha no espaço entre a composição e a plataforma , desprezando a belíssima cesta de lixo afixada perto da passagem que leva ao outro carro . Tantos , como ele, jamais se importaram com a visão macabra da viagem : as linhas entupidas de mato e de lixo variado , espalhando um cheiro nauseabundo , torturando o nariz e os olhos de cada cidadão . E foi assim , veraneando pelo subúrbio , que terminamos o nosso dia . Livres do picadeiro do circo , de volta ao santuário chamado lar .

Josí Viana
Enviado por Josí Viana em 01/03/2013
Reeditado em 01/03/2013
Código do texto: T4165606
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