EXPIAÇÃO
 
Tirando fora o susto causado pela notícia da renúncia papal, pouco tenho lido sobre o fato, suas causas e conseqüências. Como boa professora de História, deixo isso para os historiadores que terão condições de analisar o ocorrido. O que se escreve agora, na maioria das vezes, é movido pela paixão ou pela idiotice. Talvez  por isso é que se tem escrito muita baboseira.

Nasci  Cristã Católica e isso me marcou para sempre. Embora afastada da Igreja, ainda nutro por ela um grande carinho. Não consigo compreender como ela se fragmentou tanto – ou seja, para que tantas Igrejas Cristãs se Cristo foi só Um? Sem querer ofender ninguém especificamente, no fundo o que acho mesmo é ridículo. O mesmo se dá com Deus: para ser Deus uma das condições é que seja o Único. Então torno a me perguntar – para que tantas religiões?

O fato de não seguir uma religião não significa que eu seja contra religião. Não sou. Acredito que a maioria das pessoas precisa de uma Religião que lhes explique o sentido da vida e lhes dê base para caminharem sozinhas. Se quiserem caminhar sozinhas, tendo como norte apenas o seu pensamento. A maioria não quer. E é aí que sinceramente mora o perigo – sempre tem gente incapaz de pensar com clareza querendo seguir qualquer pensamento que ache interessante. Isso me faz lembrar de meu irmão Ronaldo. Era bom para mais de metro. Mas era alcoólatra, bipolar e os dedos das mãos e dos pés são insuficientes para contar os relacionamentos afetivos que teve. Mas era um ótimo conselheiro e acreditava piamente em Deus, Jesus Cristo e Nossa Senhora Aparecida.As pessoas em crise iam conversar com ele em busca de ajuda. Bonito e bem falante, mas sempre em dificuldades financeiras eu lhe dizia – você deveria fundar uma Igreja. Ficaria rico e ajudaria muita gente.Não seguiu meu conselho e morreu pobre e eu espero sinceramente que o lado de lá seja melhor para ele do que o de cá.

Mas voltando ao assunto papal, toda essa vontade de escrever sobre o assunto, veio da leitura de um artigo que Luiz Felipe Pondé escreveu para a Folha – Nem o Papa agüentou.

Luiz Felipe é um articulista sério e ao mesmo tempo debochado, mas em nenhum momento ele fez isso com o Papa. Ele o respeitou. A ideia central, se é que entendi bem, é que a renúncia de Bento foi um ato de muita coragem, por não querer se vulgarizar e ceder às pressões do mundo atual em que as pessoas necessitam de líderes demagogos para se sentirem bem.

Dias desses escrevi uma crônica, aqui no RL (A Escolhida) em que eu atribuía a própria Igreja Católica o meu afastamento de qualquer religião. Agora lendo Pondé eu o vejo relatar os ganhos que teve por estudar em um Colégio jesuíta. E foi esse exatamente o ponto que me fez parar e refletir. Eu também estudei anos em colégios de freiras e foi nessas escolas (três:Andrelândia/São João Del Rei e Lavras) que eu, como ele, aprendia coragem intelectual, o gosto pelas letras, o valor da liberdade religiosa,o esforço de pensar de modo claro e distinto (...) E muito mais. Aprendi a gostar de cinema. Aprendi o que realmente significava ser humana. Como ele eu só tenho coisas boas para me lembrar dos colégios onde estudei – cinco anos como interna e três anos como externa.

Certamente esse último parágrafo é um tipo de expiação. Nunca me senti muito bem ao dizer que não tenho religião. E na leitura do artigo de Pondé ficou claro para mim que, no meu íntimo, quando eu dizia não ter religião, eu sentia uma pontada de culpa. Porque a mim mesmo parecia que estava negando os anos felizes que passei estudando com as freiras. E isso não é verdade, No conjunto foram anos extremamente proveitosos em todos os sentidos e o negativo foi apenas responsabilidade minha. As coisas são e chegam até nós assim: como são. Isto é certo. O que não é certo é o modo como as recebemos e o que fazemos com elas.