Dai a César o que é de César!


cranio
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'Não sou alegre,
nem sou triste.
Sou poeta.'
Clarice Lispector

 

 
Na abordagem que faço, utilizarei analogamente o título acima, para refletir sobre algumas coisas que, em meu ponto de vista, parecem fora de seus lugares, os sentimentos, por exemplo.Portanto, dai a César o que é de César e à alma, o que é da alma!

Em se tratando de sentimentos, sabemos que sentir, difere de ser humano para ser humano. Como disse-me um aluno (educação de jovens e adultos) em certa ocasião: 'professora a dor do dedo cortado, só sente quem cortou o dedo'. Grande lição aprendi com Vladimir! Desde então, jamais questionei a dor alheia... Mas, o recorte que me disponho trazer aqui, é sobre a forma como a sociedade em geral tem lidado com os sentimentos, o que por vezes nos leva a ficar receosos ao sentir tristeza e, pior ainda, ao externar tal sentimento.

A ordem vigente é ser feliz!
Na sociedade atual, ninguém pode ficar triste. 
Tristeza é sinal de alerta, depressão à vista, rótulos do tipo: de mal com a vida, pessimista, mal amada... talvez, incompetência para lidar com as adversidades do dia-a-dia ou seja, atestado de incompetência, demonstrar tristeza é sinônimo de fragilidade, desequilíbrio emocional, enfim é proibido entristecer... Outro dia, conversando com uma amiga a respeito dessa paranóia coletiva, puxamos nossas vivências e nos demos conta de algumas coisas que venho partilhar.

O pêndulo da história partiu de um extremo para o outro.
Nos anos 60, 70 o luto era obrigatório.
Tristeza uma determinação social!
Extremamente o inverso de hoje. Sabe-se, a Psicologia explica a real necessidade do luto para o ser humano, mas o ritual vivido naquela época era de sacralizar a dor. 

Lembro-me quando criança, minha mãe costureira,  toda vez que morria alguém em nosso bairro, mamãe passava o dia todo preparando as roupas de luto para a família enlutada. O tecido preto comprado em peças inteiras, rapidamente se transformava em vestidos, camisas, saias e blusas. Durante meses ou anos, os familiares vestiam-se com este luto, sendo que o tempo de uso de tais roupas dependia do grau de parentesco com o falecido. Também nessa época, nem todas as famílias da vila possuíam televisão, caso tivessem, esta e os rádios deveriam permanecer silenciosos em memória aos mortos.

O que observamos então... de um passado de obrigatoriedade sobre o que sentir, o que vestir, como comportar-se para cultuar e demonstrar a tristeza, nos dias atuais passou-se exatamente para o oposto, onde ao prenúncio de qualquer ameaça de entristecimento, já se alarma e se parte para a alegria em cápsulas, em vitrines, em garrafas e copos, ou quaisquer  outros aditivos, contanto que sejam capazes de anestesiar os sinais de entristecimento.

Eis a questão: 'Dai à alma, o que é da alma.'  Se estamos tristes, sejamos capazes de sentir a tristeza, sem maquiar a dor, sem fingir que nada houve... somos gente, não somos máquinas, sentimos frustrações, dores, tristezas... e, como um sábio poeta-filósofo diz: 'a dor vem, visita a alma e vai embora'.

Então, 'dai à alma, o que é da alma.'  Quando a dor for embora a alegria volta, a alma deixa de ser triste e sorri novamente... sem faz de conta, sem anestésico, sem prozac, sem compulsão às compras, ao álcool, às drogas... enfim, a alma volta a sorrir, porque é da vida ser alegre e ser triste, como da aquarela são as cores.
A vida é uma tela que se deixa pintar... ora preta, ora vermelha, ora amarela, ora multicor... conforme pinta a alma, o amor...


 
'Tristeza e alegria não são água e óleo,
elas coexistem...'
Saramago
Gelci Agne
Enviado por Gelci Agne em 13/02/2013
Reeditado em 16/02/2013
Código do texto: T4137693
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