Sonhos enlatados.
Olho para o alto do trio elétrico e vejo a cantora, que gritava eufórica para a massa, que assistia, de que a poeira levantaria e em coro a massa repetia que a poeira se elevaria e literalmente a poeira subia e com ela as latinhas que voavam em varias cores, tamanhos e sabores. A avenida ferveu, choque de pessoas como espermatozoides na corrida louca. A alegria é geral, a liberação total de gritos, fumaças, pó, poeira, loucura geral, suados, abraçados beijos melados roucos que só queriam cantar e consumir o que as latinhas continham.
Olho para o chão e vejo as latinhas já aterrissadas, agora disputadas por mãos de seres invisíveis com enormes sacos plásticos onde guardavam gente que na festa só querem catar as latinhas e quem sabe achar alguma coisa perdida, que possa lhes render alguns trocados, pois a vida para eles não se resume em festa, que se acaba numa quarta-feira. Junto deles vejo crianças sujas, de olhares tristes, em pleno processo de aprendizagem, amassando as latinhas com seus pequenos pés guardados por uma sandália de borracha.
Olho para os camarotes e vejo as autoridades, sendo paparicadas pelos que fazem festa e outros que dela ganham fortunas. Gente que não olha para o chão e, portanto não veem as crianças expostas à exploração no trabalho, seja por seus próprios pais ou por outros desalmados aproveitadores.
A poeira some, as pessoas saem do transe como de um sonho e quando olho para os invisíveis catadores, eles já se afastam arrastando aqueles sacos enormes em carrinhos produzindo um som estranho pelas ruas adjacentes à festa, para eles a festa tem esta generosidade, para lhes dar um alimento de amanhã e assim cansados voltam para seus lares com sonhos enlatados.
Toninho.
11/02/2013.