Quando Deus mandou dizer que dar o dízimo é pouco.

Há tempos gosto de ouvir no rádio as pregações dos pastores evangélicos.

Curioso é que, como judeu, não "deveria" a rigor dar ouvidos para este tipo de manifestações religiosas, ou supostamente religiosas.

Mas, ao contrário, venho acompanhando alguns deles há anos.

Lembro que quando morava em SP, tinha o costume de ir com meu saudoso e querido pai, algumas vezes, à "cidade", que é como nos referíamos ao centro, nas manhãs de sábado.

Era uma delícia ver o movimento, as pessoas, as lojas, o burburinho tão característico daqueles tempos em que meus cabelos eram todos castanhos, tendo deixado para virarem nacos de algodão bem mais tarde...

Voltando à vaca fria, lembro que num daqueles sábados, chamou a minha atenção um rapaz com a Bíblia embaixo do braço indo fazer a sua pregação numa pequena sala da rua Silveira Martins, próximo à Praça da Sé.

Fui vê-lo de perto em ação e fiquei estupefato com a sua oratória.

Ele falava com tal energia, garra e certeza que deixava as pessoas literalmente extasiadas.

O pequeno público vibrava com suas colocações, havia uma forte e grande sinergia entre ele e seus fiéis.

"Estou diante de um futuro grande pregador...", pensei do alto dos meus 15, 16 anos.

Não é que eu estava certo mesmo? Aquele jovem era o R.R. Soares que, anos depois, viria a a construir uma das maiores de denominações do segmento evangélico, com centenas de Igrejas no Brasil e exterior (quem sabe, até milhares).

Hoje pela manhã, percorrendo as rádios no carro em busca de algo que interessasse, fui surpreendido por um pastor de voz chorosa e exaltada.

Ele bradava repetidamente que, para Deus, dar o dízimo já não contava mais, porque a pessoa dava 10% dos seus ganhos e ficava com os restantes 90%.

Ele dizia que o Criador havia estabelecido que o que realmente valia, para conseguir receber todas as graças que almejasse dos confins dos céus, teria que fazer justamente o contrário: dar 90% dos seus ganhos e ficar com os restantes 10% para seu sustento, pagar as contas, alimentar os filhos e tudo o mais.

Ele afirmava isso como se fosse a maior verdade do mundo e que era o único caminho factível para a Salvação.

Após enfatizar com todas as letras esse "recado" divino, passava as coordenadas para serem efetuados os depósitos: Banco, número da agência e conta.

Estas informações foram repetidas 5 vezes.

Sem entrar no mérito do julgamento da veracidade do pedido, fiquei pensando quantos milagres teriam que ser feitos para o fiel conseguir chegar até o final do mês com apenas 10% dos seus ganhos.

E quantas milhares de pessoas, ouvintes assíduos do pastor no rádio, correriam ao Banco para transferir quase todo o saldo para a conta indicada.

Somos um país de diversidade de credos e cada um tem o direito de acreditar em quem e no que quiser.

Sei que existem milhares de casos de pessoas que doaram tudo o que tinham para sua Igreja, ou "Igreja", e quando deram-se conta de que ficaram sem nada (casa, carro e economias todas), acabaram por cometer o suicídio ou abandonaram suas famílias, trabalho e tudo o mais.

Por outro lado, também existem milhares de outras pessoas que estavam na rua da amargura, embebedando-se e drogando-se sem cessar, quando passaram a frequentar uma Igreja, sem as aspas, e reconstruiram suas vidas, tendo tornado-se cidadãos prósperos, do bem e felizes para sempre.

Quem está certo? Quem realmente é inspirado pelo Criador?

Confesso que não sei.

Mas confesso, também, que abocanhar 90% dos ganhos de uma pessoa reflete uma voracidade exemplar.

Cada um sabe da sua vida e faz o que bem entender com o dinheiro que ganha.

Suponho que, lá no andar de cima, Alguém deverá estar julgando essas atitudes, como faz habitualmente com as nossas.

Deixo por conta Dele, o discernimento do que é certo ou errado, do que é justo e do que é mera manifestação de canalhice e exploração descabida do nosso querido povo brasileiro.

Vai saber, vai saber.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 07/02/2013
Reeditado em 07/02/2013
Código do texto: T4127503
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