ESTES MEUS CABELOS BRANCOS
Ah, meus generosos amigos e minhas queridas amigas, quantos anos me custaram estes cabelos brancos! Eles já foram fartos e negros, melhor dizendo, castanho-escuros. Costumava passar horas em frente ao espelho procurando, à custa de brilhantina, criar um penteado mais bonito, às vezes formando uma trunfa, que foi moda em certa época.
É comum se interpretar cabelos brancos como sinônimo de sabedoria. Entretanto, não é bem assim. Pelo que li, são diversos os fatores que os fazem embranquecer com a idade: maior ação dos radicais livres, função hormonal e envelhecimento dos melanócitos, que produzem a melanina, responsável também pela cor dos cabelos (trata-se de um assunto meio complicado). Uma coisa, porém, afirmo: eles significam, com certeza, maior experiência de vida. E essa experiência que ganhamos a cada dia, cada mês, cada ano que vivemos, nos vai capacitando a conhecer o verdadeiro caráter das pessoas com as quais convivemos, a autenticidade ou a falsidade das amizades que nos cercam. Até pode acontecer que certos fatos ou certas posturas façam com que nos decepcionemos com alguém, mesmo numa amizade antiga. Uma frase infeliz ou uma falsa atitude pode revelar-nos facetas de um caráter que, de repente, nos desencanta pelo resto da vida. O decorrer do tempo pode, também, ir revelando peculiaridades que enriquecem a nossa experiência e esta possivelmente também concorrer para o surgimento dos cabelos brancos.
A forma como se viveu terá também - quem sabe? - a sua significação. Vejamos o meu caso particular: posso dizer que tive uma boa formação familiar. Meu pai era ainda um jovem quando veio para Mossoró, procedente do município de Sobral, Ceará, atraído, como dezenas de outros, pela fortuna que lá fizera o conterrâneo Miguel Faustino do Monte. Creio que quando meu pai veio, solteiro ainda, em 1909 (viajaria a Sobral apenas em 1914, para casar-se) se instalou na casa do primo José Rodrigues, que na cidade já se firmara. Nascido e criado numa pequena povoação, meu pai era homem de pouca instrução. Mas, sendo um jovem inteligente, ocupou vários empregos e lutou com muita dificuldade, até que conseguiu instalar uma pequena indústria, com a qual deu à sua família melhores condições de vida. Faleceu vítima de uma doença que hoje seria facilmente curável, mas me lembro de que, nessa idade, ele já tinha cabelos bem grisalhos, quase brancos.
Mas, poderão perguntar-me, que relação tem esta história de vida com o título desta crônica: a cor dos cabelos? Conhecendo bem a vida do meu pai, sua exemplar noção de responsabilidade, as fases difíceis que enfrentou para poder superar as dificuldades e vencê-las, creio que tais fatores podem ter concorrido para tornar seus cabelos bem grisalhos, quase brancos, à idade em que morreu. E se o embranquecimento for também genético?
Posso afirmar, também, que vivi uma infância e uma adolescência muito felizes, talvez mais do que outros meninos, filhos de famílias abastadas, do meu tempo e da minha vizinhança. Tive, nessas fases, muitos amigos da minha idade, mas à medida que os anos foram passando e chegando o tempo de cada um procurar o seu rumo, esses amigos foram se dispersando e tomando seu destino, sem que eu perdesse o contato e a amizade com um bom número deles, justamente os de maior afinidade, e esse contato se prolongou por muitos anos. Infelizmente, soube que outros tomaram caminhos errados e isso lhes custou, a eles e suas famílias, muita infelicidade. Aliás, eu nem sei por que entremeei tais referências à minha vida particular sem saber se terão tido qualquer influência na cor dos meus cabelos, dos quais sempre cuidei bem e até fui vaidoso.
Essa vaidade que tinha com a minha cabeleira, quando jovem, tenho-a ainda hoje com eles totalmente brancos. Nestes 88 anos, que significam longevidade, ganhei experiência e mais respeito aonde chego, respeito que a bengala reforça.
Pois é, estes cabelos brancos que hoje coroam a minha cabeça, ainda eram negros até os cinquenta anos, conforme fotos que guardo do tempo em que vivi em Caruaru, onde morei por alguns anos. Depois dos cinquenta, começaram a ficar grisalhos, como um sinal de que os fatores advindos da velhice estavam agindo. Mas, cabelos grisalhos ou brancos nem sempre são sinal de envelhecimento, embora o envelhecimento inevitavelmente cause o embranquecimento. Dos meus filhos, o mais moço dos homens antes dos quarenta já os cabelos começaram a ficar grisalhos, enquanto o mais velho, como também um genro, ambos já beirando os sessenta, ainda os têm negros.
Rendo graças a Deus por esta coroa de cabelos brancos, pois vejo neles, quando defronte do espelho, o valioso significado de tantos anos vividos.