Impregnado
Estou chegando de uma visita a minha avó, na fazenda Santa Vitória. Ela tem noventa anos, lúcida,controla a casa e a família. Também foi lá que nasci, em uma casinha na beira do Riacho Morto. Sentei-me debaixo de uma grande gameleira centenária às margens do riacho de águas barrentas e perdi-me em meio ao nevoeiro de meus pensamentos. A primeira lembrança que tenho de minha vida é daqui, lembro-me de muitas pessoas correndo pelo terreiro em direção à casa grande e de minha mãe me pegando de uma esteira de buriti, onde estava sentado e me levar para dentro de casa, onde de portas fechadas, esperávamos que um cachorro 'doido' fosse expulso do quintal pelos cachorros da casa. Naquela época, no mês de agosto, muitos cachorros ficavam raivosos por causa da hidrofobia e saiam pelas estradas atacando tudo e todos até caírem mortos pela doença ou por um tiro. Também moramos no velho casarão que pertenceu ao meu bisavô, Zé Neném, ficava na beira de uma lagoa. Tinha uma vargem bem grande, muitos buritizais... Pensei em muitas pessoas que já partiram dessa vida e que fizeram parte de minha história, do que eu sou hoje... Minha filha foi até ali me chamar, a vó bisa, tinha feito beiju de goma e passado manteiga de garrafa, disse ela, que fossemos logo se não ficaríamos sem nenhum. Minha filha... nós ali, pertinho do lugar onde eu havia nascido, mais um pego pela mãe Joana, parteira de mais de trezentas crianças... Minha filha,outro tempo de minha vida... Agora aqui em minha casa, no conforto da cidade, sinto que falta um pedaço de mim e que eu sei muito bem onde está. A minha alma é um enorme quintal urucuiano, com mangueiras e abacateiros centenários, com bem-te-vis e sabiás cantando dentro dele em uma tarde fresca, depois de um dia bem quente e claro... Tudo passa sobre a terra, até nós...