O RELÓGIO CARRILHÃO DA VOVÓ E DO VOVÔ JOÃO DE AREDES.
O RELÓGIO CARRILHÃO DA VOVÓ E DO VOVÔ JOÃO DE AREDES.
Era um carrilhão de madeirão braúna. A madeira nem era negra nem branca. A cor era intermediária. Era um relógio do tempo do meu bisavô, que morava há dois séculos na casa de Ana Santos Santil e Ferreira, e, ele ainda funcionava aos contentos.
Vovó, na cozinha, fazia suas quitandas. Vovô pitava seu cigarro de palha na varanda, em pé, olhando as aves no terreiro onde o galo cortejava suas galinhas, cacarejando e, às vezes, gorgorejava alto em bom tom.
O rodia tinha visual vistoso e porte elegante. Vistoso com suas penas pretas e douradas. As galinhas ciscavam; outras cacarejavam ensinando os pintinhos a catar comida na terra úmida, fofa e produtiva. Havia patos, gansos, marrecos; e no lago peixes de espécies diversas.
O rodia ciscava e chamava alto. As galinhas o atendiam de pronto. Entretanto, ele escolhia sua preferida e a deixava comer a minhoca, com ou sem pintinhos. A galinha então se afastava e o senhor-galo tornava à faina e cantoria, demonstrando que ali era seu domínio, e, lugar, e, área. Ele era rei absoluto e sabia o que quer do seu reinado. Ele simplesmente era o rei que reinava livre, folgado e feliz.
Vovó era econômica, vivia mais da sala para a cozinha, e, poucas vezes ia até a varanda, a menos que intencionasse chegar até o terreiro para dar milho às aves e mandioca e cariru aos porcos. O chiqueiro ficava nos fundos do terreirão próximo ao riacho à jusante.
Assear o chiqueiro era só abrir a bica e deixar as águas rolarem. A porcada bebia água corrente, vinda da pedra-mor, a qual triturava milho ou a mandioca, fazendo farinha e fubá.
Vovô tinha seu cavalo e égua sempre encilhados, para qualquer emergência. Porém, quando descansava os animais estes ficavam a pelo nu, eram tratados com caninha-de-macaco, milho, mandioca e cana-caiana. Vovô conversava com seus animais de montaria e eles o entendiam, e, conheciam os hábitos e costumes de João de Aredes.
E o carrilhão sinalizou as 18 horas. Todos se recolheram à sala para o terço. O crepúsculo avermelhado engolia o sol amarelo. A noite se avizinhava. Os primeiros morcegos cortavam os céus do Brasil. A rádio Por Um Mundo Melhor transmitia a Ave-Maria.
E o tempo seguia sua marcha. E chegou o ano de 2013. E o fim do mundo não aconteceu nem aqui nem acolá.
Ele voltou.
F I M.