Introspecção
Hoje descobri que só consigo ser complicado. É uma dádiva que adquiri com o tempo e acho que vou levá-la para a vida inteira. Não é ser complicado por ter de complicar os fatos por misturar as pontas dos fios em diferentes hastes de forma a embaralha-las. Minha forma de complicação é outra: algo que não está no mundo sublunar e pedestre. Também não estou vivendo na órbita da lua, embora minha carta astral diga que eu sou desse modo. A minha complicação é de ordem banal (que nem sempre é minha, instaurando aqui a primeira confusão de si mesmo). São as banalidades que não dou conta.
Clarice Lispector inicia A hora de estrela dizendo que “tudo começou com um sim”. Pois, é. Isso não cabe na minha cabeça, porque antes de dizer o sim eu tenho de me curvar aos meus consultores internos para perguntar – posso? Meus consultores são muito exigentes e na maioria das vezes dizem não. Nem sempre com um por que claro, mas sempre definitivo. Das vezes que não atendi aos apelos de meus consultores tive que sofrer com suas indiferenças. Ou seja, eles mandam umas pragas para que a minha luz seja abalada. Transgredir a opinião deles é a melhor forma de ficar à deriva. Desse modo, prefiro não mais ir de encontro com as verdades que eles pregam, pois sempre me prejudico. Na verdade, de certo modo, com todo respeito, e sem querer ofender, eles são uma espécie de encosto. Eles sopram no ouvido.
Com tudo que eles já me oportunizaram, tem uma coisa que eu não entendo, mas aceito bem (ou não). É o fato de eles me reduzirem; sempre fico no ímpar. Não adianta andar muito, procurar muito é como se houvesse uma força que coloca para traz. Um enigma sem fim advindo de uma esfinge severa. Às vezes queria ser eu mesmo, sempre precisar ouvir a voz dos consultores. Mas pelos meus cálculos, que eles próprios me ensinaram, devo me libertar quando uma voz mais forte aparecer. Mas como ela nunca aparece, nem eu nunca tive o interesse de procurar que voz era essa, fiquei aqui mesmo plantado. Talvez essa seja a melhor condição de me definir. A condição de planta é a mais aprazível no momento. Mesmo vivo e observando o mundo sob uma ótica única, nunca saio do lugar. Cresço no mesmo canto, com os mesmos laços, e caso eles sejam cortados eu morro.
Teria tanta coisa a relatar, mas os consultores já estão me dizendo que é hora de se falar para dentro. Do mais, só posso dizer: não tenho futuro traçado, por que estou fadado a mudá-lo, até que ele não seja mais meu; não tenho presente, por que os consultores dizem sempre o que não fazer de forma ao presente ser só deles; só tenho passado, por que a lembrança é o único direito de que não fui tirado; e viver é estar na condição de vegetal: vivo, mas parado... até que apareça a nova ordem trazida em voz consultiva.