O goleiro Ivã


A seleção brasileira de futsal (futebol de salão, nos meus tempos de pereba) está de parabéns. Papou a medalha de ouro nos Jogos da Lusofonia, realizados em Macau (sudeste da China) com cinco países de língua oficial portuguesa, depois de empatar em 1 a 1, hoje à tarde, contra a forte seleção lusitana.

Apesar do empate, levou o grande prêmio devido ao saldo de gols conquistado nas quatro partidas anteriores. Por sinal, saldo nada desprezível, pois só na seleção do Timor-Leste metemos 76 gols contra nenhum. Sim, está certo o que leram: 76 a 0, e com o juiz e seus auxiliares de pinima com a gente.

Nosso técnico, campeão da cortesia, disse depois do massacre que “golear é respeitar o adversário”. Tudo bem, tudo bem. Mas que adversário? Já fizeram as contas? Não assisti ao suposto jogo (teria morrido de tédio e de vergonha transferencial, sem escapatória), mas praticamente dá quase um gol a cada trinta segundos. Vocês que viram: tinha goleiro o Timor-Leste? Se considerarmos que depois do primeiro gol, em cada tempo de vinte minutos, a nova saída é necessariamente do vitimado, eles sempre saíam perdendo a bola e não marcavam nem corriam atrás de ninguém. A rigor, não estavam em campo. Vida que segue, como diria o saudoso João Saldanha.

Eis aí um recorde de gols sofridos capaz de matar de inveja o nosso amigo Ivã, do Ipiranga Futebol Clube, de Marechal Hermes, o goleiro mais vazado do subúrbio carioca nos anos setenta. Podia agora estar no Livro dos Recordes, não fosse a proeza do arqueiro maubere ou timorense, à escolha.

De fato, nós do Ipiranga perdíamos de muito, sempre. Uma humilhação a cada manhã de sábado, até a humilhação final, no começo dos anos oitenta, quando o nosso adversário declarou que só voltava para o segundo tempo se misturássemos os jogadores de ambos os times e fizéssemos daquela patuscada (palavra de avó materna) uma peladinha sem maiores conseqüências. Pelo que pude entender, ouvindo aqui e ali nos grupinhos que se formavam, não tinha a menor graça fazer gol no Ivã.

Conto assim, meio por alto, mas no dia houve uma discussão tremenda para ver quem é que não ficava com o goleiro do Ipiranga. Pensou-se até em votação fraudulenta para tirá-lo de campo, mas o cara era o dono da bola e das camisas. Mais do que isso, era quem pegava na Aeronáutica a autorização para que pudéssemos jogar no melhor campo do bairro.

Ficou.

Nem com os times misturados e uma defesa mais forte à sua frente, esse pacato companheiro de pelada deixou de engolir os mais divertidos frangos da paróquia. Ao apito final, placar polpudo contra a sua própria meta, Ivã parecia um farrapo embaixo do travessão, descrente de tudo.

Falei antes de inveja. Mas ele podia é ter ido à forra assistindo à calamidade timorense. No caso dele, lembro-me muito bem de quinze, dezoito, vinte gols sofridos por partida. Setenta e seis, nunca.


[14.10.2006]