A costureira e seu cliente

Ele entra desajeitado, bate timidamente no tampo de um móvel pra ser visto.

Na sua idade, se sente desajeitado num ambiente que ele supõe totalmente feminino e ao qual ele não tinha acesso antes. Olha curioso pra todos os lados e tudo aquilo lhe parece misterioso, mágico, rico como uma toca de Ali- Babá. Sente-se ridículo, sorri consigo mesmo do pensamento infantil. De onde lhe ocorreu tão ideia nessa cabeça de 74 anos?

Viúvo há cinco anos, recém-chegado ao país, sentiu a necessidade de buscar conserto pras peças de roupa que lhe estão sobrando. Não é rico, nem afeito a lojas e suas roupas são de ótima qualidade, então tem que buscar jeito pra bainhas desfeitas, botões soltos, paletós um pouco folgados...

A senhora debruçada sobre a máquina, com um radio pequeno ao lado tocando antigas canções, levanta a vista. Tem bobbies nos cabelos e uma pulseira de alfinetes, além de um bolso grande com tesoura e linhas. Espanta-se com o inesperado da visita, quando homens ali são inéditos, mas sua sensibilidade mostra-lhe que ele está deslocado e ela levanta-se pra atender. Cliente é cliente.

Pois não, senhor...

Július. Július Poukalos, senhora. A senhora cuida de roupa de homem também? Sou novo no país. Não conheço ninguém aqui.

Nem precisava, apesar da fala correta, o sotaque pesado e as palavras recitadas devagar já deixavam claro que era recém-chegado ali.

Claro, senhor. Não sou alfaiate, mas dependendo do que o senhor quiser. - Percebe que ele estranha a palavra e diz-lhe compassadamente que alfaiate é especialista em roupas masculinas, mas ela verá se pode ajudá-lo.

São minhas calças que estão desfeitas na barra. Há também dois paletós folgados.

Entrega timidamente uma sacola. Ela abre e se admira com o corte e qualidade dos tecidos. São roupas boas impecáveis, mesmo usadas. Diz-lhe pra ir ao trocador. Ele não entende bem e ela explica que serve pra ele vestir as roupas.

A partir daí ele se torna cliente assíduo. Há um silêncio delicado entre eles. Ela meio que percebe a assiduidade e a parcimônia com que ele traz as peças. Uma a uma.

Ele percebe o cuidado dela, o sorriso gentil, os cabelos brancos agora sempre penteados, não mais os bobbies.

Seus diálogos referem-se ás roupas e às correções que ela aplica as palavras usadas por ele. Uma sutil aula de língua da parte dela e uma rica aula de geografia da parte dele quando fala de seu país.

Fora isso o silêncio quando ela retoca, embainha e ele sutilmente observa o ambiente cheio de tecidos, linhas agulhas, um manequim velho encostado e o sempre presente radio com suas canções antigas que ele não entende direito.

Já se tornou um hábito. Semanalmente ele passa lá e ela espera essa visita.

A vizinhança toda tem mais de cinquenta anos por lá e já perceberam a assiduidade desse cliente. Nos papos aos sábados enquanto falam de tricô, netos, e receitas novas, perguntam-lhe se ela a corteja. Ela cora e foge desses papos. Cortejar, imagina, uma moça velha de 71 anos ser cortejada. Ridículo. Levanta-se apressada e vai pra casa.

Olha-se no espelho e de repente se dá conta que o tempo passou e ela nem notou, encurvada naquela máquina. Será que ela a está cortejando, como dizem? Não lembra mais dessas coisas e se sente apreensiva. Procura dentro de si algo e nota que passou a manter os cabelos bem penteados e passa até um batonzinho. Será que ela quer a corte? Ridículo, não tem mais idade pra isso!.

Sabe que terça-feira ele virá, e vai ao guarda-roupa procurar um vestido apresentável.

É, casa de ferreiro é espeto de pau mesmo, todos os seus vestidos têm mais de dez anos e parecem ter idade indefinida, austeros, embora bem cortados. Nada pra escolher. Melhor trabalhar!

Senta-se à maquina e se pega cantarolando acompanhando o inseparável radinho. Olha em volta e parece que só agora viu esse lugar. Não é que ela precisa dar uma arrumada naquela salinha? Vai providenciar uma faxina e organizar melhor tudo. Retorna a costura e canta acompanhando a música.