SORUMBÁTICO
Hoje amanheci o dia um tanto sorumbático – e ainda estou – impressionado com um dos meus costumeiros sonhos. Até já falei, acho que mais de uma vez, sobre os meus sonhos. De como são misteriosos, que antes, há alguns anos, tinha o costume de, ao amanhecer, se conseguisse reconstituí-los na memória, escrevê-los no papel para, quem sabe, transformá-los numa crônica ou, talvez, considerando seu enredo, num possível conto. Sobre alguns, de tão estranhos, sem relação nenhuma com qualquer episódio de minha vida e nada indicando que parecesse algum sinal de acontecimento futuro, atrevia-me a dizer que nem o famoso psicólogo Sigmund Freud, autor de “A Interpretação dos Sonhos”, seria capaz de decifrá-los. Confesso, porém que alguns me impressionaram e até me deixaram um certo sobrosso, isto é, que os acontecimentos vividos no sonho pudessem se tornar realidade; mas, graças a Deus, não passaram de “sonho ruim”, como alguns que tive na infância e me levavam a pedir à minha mãe para deixar-me dormir ao seu lado, sentindo o seu calor e o cheiro reconfortante do seu corpo.
Pois bem, nesta noite tive um desses sonhos. Não foi mau, mas fiquei pensando nele. E no que é que, pelos fragmentos que guardei, até pudesse reatá-los, levou minha mente a vivê-los em mais uma noite dormida à custa de medicamentos, como têm sido todas, desde há alguns anos. Sonhei que era possuidor de uma boa situação financeira (só mesmo em sonho...) e, por isso, minha participação acionária estava sendo disputada por duas empresas, cujos chefes eu identificava no sonho e, de fato, conheci-os enquanto existiam em Mossoró. Agora, as manobras dos seus dirigentes para conquistar a minha preferência através de personagens que jamais conhecera, os ambientes em que trabalhavam, tudo isso me punha em um estado tal de indecisão, que, embora com vontade de pertencer a uma delas, principalmente a uma cujo presidente fora cliente da agência do Banco do Brasil, quando nela eu servia, mesmo assim, não concretizei o negócio. Tudo isso me fez acordar impressionado.
Afinal, de onde vêm os sonhos, como eles chegam e povoam as nossas mentes, engendrando tramas enigmáticas? Por que a maioria dos personagens que sempre surgem é de pessoas que identifico como conhecidas, mas aparecem com aspectos tão diferentes?
Esse sonho me deixou pensando. Fez-me ficar meditando em como é indecifrável a alma humana, a nossa psique; o que faz engendrar enredos tão diferentes e cabalísticos? Eu confesso que não entendo. Até já procurei nos livros explicação para esse mistério. Platão (428-348 a C) diz que o que nós sonhamos é fruto da nossa imaginação; perdoem-me discordar do grande mestre da antiguidade. Atrevo-me a dizer que penso como Descartes (1596-1939): “O que acontece em sonho não parece tão claro e distinto quanto o que acontece durante a vigília.” Aliás, na minha já longa existência tenho tido sonhos tão estranhos que me levam a duvidar de qualquer explicação, mesmo filosófica. Será que minha imaginação durante o sono se torna diferente, mórbida? Aliás, peço desculpas a quem porventura me estiver lendo e permissão para contar um fato que talvez se relacione com o tema: certa vez, quando trabalhava em Caruaru, tive um sério distúrbio gástrico e procurei, em Recife, o Dr. Djalma Vasconcelos, um expoente em gastroenterologia no Brasil. Depois de examinar-me demoradamente e fazer-me varias interrogações, disse-me: o senhor não tem nenhum problema orgânico, o seu problema são as preocupações que se acumulam no subconsciente. O seu consciente o senhor controla, mas o inconsciente age a seu exclusivo critério, no tempo e da forma mais diversa. Será mesmo o meu caso? Uma coisa que me surpreende é encontrar gente dizendo que não sonha: só de raro em raro. Eu penso que é porque sonha e não se lembra, ou seria uma mente sem fertilidade.
Eu sempre sonhei, desde menino, sonhos ruins e sonhos bons. Nenhum, graças a Deus, foi premonitório. Mas o de ontem me deixou, não temeroso, porém sorumbático. Por quê?
(Natal, 23.11.2012)