TESTEMUNHAS DO FEIJÃO QUEIMADO

Para quem não me conhece, moro sozinho há algum tempo. Pois bem: no sábado passado, perto do meio-dia, estava eu com o feijão no fogo, preparando o meu almoço, quando me apareceram no portão alguns religiosos desejando conversar comigo. Eram “Testemunhas de Jeová”. Gentilmente, resolvi atendê-los. Pensei tratar-se de uma breve conversa, como, aliás, eles prometeram, mas demoraram tanto que o meu feijão acabou queimando.

Hoje, uma semana depois, quando eu estava mais uma vez esquentando a minha refeição, eles voltaram de novo e, embora fossem informados que me encontrava ocupado, não arredaram o pé, chamando-me insistentemente. Aí, sem nenhuma cerimônia, eu lhes disse: “Ah, não! Isso parece brincadeira! Vocês só aparecem aqui quando estou com o feijão no fogo... Não se preocupam nunca se estamos atarefados, se estamos precisando de alguma ajuda; vão sempre insistindo de forma inconveniente...” Porém, eles me interromperam, dizendo: “Sabe o que diz Mateus 6:32? Buscai primeiro o Reino de Jeová e tudo o mais ser-vos-á dado de acréscimo!” Então, tornei a falar: “... Deveriam vir aqui ajudar a lavar um prato, a varrer a casa e, enquanto isso, aí sim, poderiam fazer a sua pregação, falar em Jeová ou em Javé, no paraíso do passado, no paraíso do futuro, no que vocês quiserem, estão entendendo? Aí sim, cumpririam até com o mandamento do Cristo que diz: ‘Carregai os fardos uns dos outros’. Agora, só blá-blá-blá pra queimar feijão, não dá! Sinto muito”. Perguntaram-me eles, então: “Sabe o que disse o Senhor Jesus à Marta quando esta se queixava da irmã que não queria ajudá-la nos afazeres domésticos?” Respondi: “Meus amigos, me desculpem, mas eu não quero saber o que disse Jesus, nem Marta, nem ninguém! Neste momento o que me interessa é somente o meu feijão!” Os religiosos, muito sérios, ainda argumentaram: “Então o senhor não acha que a palavra de Jeová é mais importante que o feijão?” E, já meio irritado, repliquei: “Fiquem sem comer feijão que eu quero ver vocês poderem falar em Jeová! Sabem de uma coisa? Vão pregar nos bares, nos botecos, nos bordéis, nas bocas de fumo, lá é que está precisando... E não tem feijão para queimar!” Aí os “Testemunhas de Jeová” ainda assim abriram uma Bíblia que traziam e cinicamente me pediram para ler o que estava em Marcos, capítulo 6. Contudo, mesmo não querendo ler nada, notei ali uma frase dizendo: “Em qualquer casa onde entrares, ficai nela até sairdes do lugar”. Indaguei: Ah, então é aí que vocês interpretam a coisa de levarem a demorar tanto na visita?” E continuei: “Já que são muito cumpridores das Escrituras, sigam também o que em Lucas, 10:7 elas determinam: ‘Não andeis de casa em casa, principalmente durante as horas das refeições’. E enquanto eles examinavam a Bíblia em busca talvez daquele versículo, comecei a sentir um cheirinho longe de feijão queimando. Pedi, então, licença e corri pra cozinha, mas em tempo de ouvir um deles exclamar: “Nem só do pão, vive o homem!” Não o deixei sem resposta. Disse: “Claro! O homem vive também da carne, do arroz, do feijão... se vocês deixarem”.

E lá se foram eles. E o meu almoço também.