http://www.sc.df.gov.br/paginas/festival_de_cinema/festival_de_cinema_07_5.htm

ARRASTANDO A ESPERANÇA CONTRA A VIOLÊNCIA

E por um acaso, eu de repente estava no meio de uma manifestação.
Uma manifestação pela vida, após enterrarmos os corpos de nossos jovens filhos.
Choros, revoltas, gritos de justiça se fazendo em coro nos meus ouvidos. E os meus olhos revirando a alma de cada alma dolorida, ou pela perda ou pela revolta.
Não pude deixar de me emocionar. Não pude passar impune como gostaria, afinal eu estava documentando um momento, um fato, um movimento da sociedade tentando clamar para que se faça justiça, para que se cumpra a lei, para que unamos forças em prol de uma modificação na estrutura de nossa sociedade.
Nas vozes dos jovens eu pude ouvir os seus anseios. Os sentimentos e a leitura que fazem de nossa sociedade. O imperialismo do individualismo é a preocupação maior desses garotos e garotas que chegam à idade quase adulta sem saber muito bem o que fazer para mudar isso.
Nas vozes das mães a dor da saudade eterna. Nas mãos dessas mães, seus filhos em forma de cartazes, pedindo paz. No coração dessas mesmas mães, nem tanta revolta, mas a tristeza de saber a justiça é injusta e que no tempo vai ficar apenas a sua própria dor e que sua história vai fazer parte apenas de uma estatística.
Não menos dolorido, nem menos sofrido as palavras dos pais. Quase sempre braços se fazendo fortes para apoiarem essas mães. Olhares indefinidos, vozes firmes e um grito preso na garganta do choro que não choraram.
Olhar nos olhos e nas almas desses pais é um momento que nos coloca numa dura constatação de que a sociedade está completamente doente. Ao mesmo tempo, é a oportunidade de darmos uma parada para refletirmos sobre o que fazer para que isso possa de fato mudar.
No festival de cinema de Tiradentes, fui tocada por um documentário que falava do Jardim Ângela em São Paulo, onde um cineasta, através de um trabalho de oficina com os jovens desse lugar, coloca a visão dos jovens pobres sobre a violência a que estão expostos e da qual têm plena consciência, cada um a seu modo.
Nesse documentário, fui tocada pela postura e fala de uma garota de vinte e três anos que lutou bravamente, se negando até a participar de um filme que faziam caso não houvesse uma maneira de dar esperança a quem estivesse assistindo, para mostrar que numa situação sempre existe duas saídas e uma delas é a de recuperação de uma pessoa,
Pensando nisso, e aprendendo com alguém que está exposto desde o nascimento a essa guerra sem piedade, num país de poucas oportunidades, numa sociedade que exclui sem dó os pobres e que apesar de toda dor e limites consegue ter esperança, que eu também acredito que podemos mudar.
Como parte dessa sociedade, todos temos o dever de, urgentemente, rever nossos valores de vida.
Num momento como esse, onde todos somos vítimas e todos nós somos culpados, não podemos fugir ou mesmo, fechar os olhos, os ouvidos e as oportunidades para as gerações que nos substituirão. É preciso que juntemos nossas forças, nossas idéias, nossas possibilidades de ajuda, nossa capacidade de amar na construção um mundo melhor, onde a vida não valha apenas um carro, ou short, ou uma palavra mal interpretada, ou mesmo uma provocação.
Que tenhamos consciência – como nas palavras do poeta Fernando Pessoa – de que “a vida vale a pena quando a alma não é pequena”. 

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p.s. Se tiverem a oportunidade assistam
Jardim Ângela
Direção: Evaldo Mocarzel 
documentário cor 35mm 72min SP 2006

Jardim Ângela é um documentário sobre a periferia de São Paulo, mais precisamente sobre o Jardim Ângela, como sugere o título, bairro que, durante muitos anos, liderou o ranking das regiões mais violentas da grande São Paulo. O documentário foi feito a partir de uma oficina de cinema ministrada pela Associação Kinoforum, que há seis anos, vem promovendo uma inclusão social e audiovisual na periferia da cidade, proporcionando aos alunos a possibilidade de documentar a comunidade onde vivem em curtas de ficção, documentários, animações ou trabalhos mais experimentais. Jardim Ângela focaliza uma região dividida pelo tráfico de drogas. Há os que aceitam a convivência promíscua com os traficantes e há os que jamais se envolveram com o crime. O documentário focaliza a visão de mundo desses jovens, que também querem mostrar o lado positivo da periferia de São Paulo.

produção executiva Zita Carvalhosa roteiro Evaldo Mocarzel e Marcelo Moraes fotografia Thiago Ribeiro montagem Marcelo Moraes som Miriam Biderman, Ricardo Reis e Ana Chiarini produtora Superfilmes/ 24 VPS/ Casa Azul e Kinoforum