FOI ONTEM

Para passar o tempo desta tarde de sábado, em que o vento que entra pela minha janela parece-me trazer o som de antigas canções, eu, sentado em frente ao computador, e sem nenhum novo e-mail para abrir, resolvi escrever as recordações que me chegam, mesmo sem as ter invocado. Sinto que as horas correm depressa, assim como se estivessem ansiosas para alcançar o escuro de mais uma noite, certamente envoltas em mistérios como todas as que a precederam, o que é de sua natureza. E, assim como as horas, os dias os meses e os anos parecem correr céleres em busca não sei do quê: só Deus sabe. Então, resolvi escrevê-las, repito, não me importando mais se a sua leitura poderá ainda interessar a alguém. Sei que estou narrando quase as mesmas histórias já contadas em crônicas anteriores, mas esta repetição não é sintoma de Alzheimer; escrevo-as como se fossem um “dever de casa” de minh’alma, sobrecarregada de saudades de tantos anos vividos, mercê de Deus.

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Foi ontem – a contagem do tempo pode ser longa, ou pode ser breve para cada pessoa, dependendo de como cada uma vive a sua vida. Para mim, que me considero feliz e tive uma vida recheada de bons acontecimentos (sem esquecer os tristes), posso dizer: foi breve, foi ontem a minha infância, foi ontem a minha adolescência, foram breves cada fase da minha vida.

É, foi ontem que eu, menino, era um dos donos dos vastos campos, onde, com dezenas de outros garotos mais ou menos da minha idade, jogávamos futebol, com bolas de borracha; soltávamos, ao vento Nordeste, nossas pipas coloridas, que ficavam lá no alto “dormindo” (como dizíamos), enquanto nós, no chão, pés descalços, ficávamos sonhando, olhos fixos na infinitude do céu. Ou então, quando era o tempo - pois cada tipo de brincadeira tinha o seu tempo – disputávamos quem fazia subir mais alto as nossas petecas, e a minha mão direita ficava inchada de bater com a força de que dispunha, raramente conseguindo, pois havia garotos mais fortes do que eu. Ou, ainda, de jogar, os espaços demarcados, uma espécie de “baseball”, que adaptávamos, dando-lhe outro nome, que não lembro agora. Enfim, eram tão variados os tipos de entretenimentos que as horas passavam rapidamente, fosse manhã, tarde ou noite, mal sobrando tempo para estudar.

Foi ontem, também, que éramos adolescentes para as peraltices desta fase tão bonita das nossas vidas, para os sonhos, o despertar para o amor, frequentar as matinês, à tarde, para ver – no antigo Cine-Teatro Almeida Castro, hoje demolido - os filmes cujos heróis ficaram em minha memória: Tim Mccoy, Tom Mix, Cary Grant, John Wayne, Gary Cooper, Ronald Colman, James Stewart, Carole Lombard, Joan Crawford, Barbara Stanwyck e tantos outros que nos faziam gritar de entusiasmo nas cenas de valentia ou de heroísmo, em filmes dos quais ainda guardo alguns nomes.

Foi ontem que, já concluído o curso primário, fomos cursar o ginásio, no Ginásio Diocesano Santa Luzia ou na Escola Normal, que na época era misto, e oferecia o curso para formação de professores. Eu frequentei o ginásio de 1938 a 1942, concluindo-o aos 17 anos. Foi, também, uma fase inesquecível da minha e da vida de muitas dezenas de jovens, sobre os quais já falei em várias oportunidades, até em livros, não esgotando, porém, os detalhes pitorescos dos episódios marcantes e inesquecíveis.

Foi ontem, ainda, que, juntamente com Genildo Miranda e Alcínio Galvão, formamos um trio inseparável, encontrando-nos todas as tardes para as vesperais do Cine Pax, ou nas noites das quintas-feiras, para as retretas animadas pela Banda de Música Municipal, quando a Praça Vigário Antônio Joaquim se enchia de jovens, uns simplesmente a flertar, outros, mais ousados, a “encostar” nas suas namoradas, retretas que eram reguladas pelo alto-falante da Amplificadora Municipal que, exatamente às 9 da noite, ao tocar a Valsa dos Patinadores, encerrava sua programação Neste momento tudo que era de moça debandava em direção às suas casas, algumas acompanhadas, até certa altura do percurso, pelos seus namorados. Naquele tempo, os colégios costumavam desfilar nos feriados nacionais e lembro-me de um em que a Escola Normal também desfilou e, após o desfile, as normalistas, “vestidas de azul e branco”, foram todas para a praça, onde nos encontrávamos os três, de paletó e gravata. Eu, com a vantagem, de já ser funcionário do Banco Brasil, o que, naquela época, me tornava um bom “partido”, flertava com quatro jovens. Mas, quando Brasília, após mais uma volta, se aproximava em companhia de duas primas, ela na ponta, assim como um convite, Miranda me empurrou: “Vai Chico” (costumo dizer que Miranda foi impulsionado por Deus). E a partir de então começou um namoro, que virou noivado e, com menos de dois anos, em casamento. Vaidoso como todo o jovem, passava horas me preparando para encontrar-me com Brasília quase todas as noites, na casa onde ela morava; passava uma hora em frente ao espelho até conseguir um penteado perfeito em minha farta cabeleira, naquele tempo castanho-escuro (hoje rala e totalmente branca), sem esquecer o perfume, preferencialmente o francês L’Origan, da Coty.

Entretanto, os anos passaram e Deus, em seus desígnios insondáveis, decidiu chamar, bem antes de mim, esses meus queridos amigos: Miranda e Genildo. Ana - Caboquinha - a viúva de Genildo, que mora ainda hoje em Mossoró, decorridos tantos anos, ainda sempre que me vê, chora, relembrando a nossa amizade.

Foi ontem que, conquistada a maioridade, ao completarmos os 18 anos, preocupamo-nos em conseguir a independência financeira e, a maioria, procurou um emprego ou uma profissão. Eu, graças a Deus, consegui ingressar no Banco do Brasil, o que me deu condições de casar e ser feliz. Já estando prestes a completar 66 anos de união, continuo pedindo a Deus, todos os dias, embora ambos com a saúde já fragilizada, que nos conserve vivos e unidos ainda por algum tempo.

Estou rememorando tudo isso imerso em saudade. Teria muita coisa ainda a contar, detalhes da minha vida, envolvendo ainda muitos amigos contemporâneos. A maioria Deus já chamou, deixando em mim muita falta e uma sensação de solidão que nada compensará, pois se trata de um sentimento diferente em vista de razões que só quem atinge a velhice pode entender.

Já proclamei muitas vezes como Deus tem sido generoso comigo, por tudo o que me tem dado na vida: pelos pais, pelos irmãos, pelo emprego, pela esposa, pelos filhos, netos e bisnetos, formando, com os genros e noras, 49 pessoas, uma família bem numerosa, harmoniosa e feliz.

Foi ontem... Obrigado, meu Deus.

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 15/11/2012
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