UM PROFESSOR ESPECIAL

Ontem (15.10.12) foi Dia do Professor e me lembrei desse cara. Resolvi escrever algo sobre ele.

Por uma mágica do Destino, nasce em 470 ou 469 a.C., na intelectual Atenas, aquele que iria mudar o rumo da Filosofia Ocidental. Seu nome era Sócrates. De espírito voltado à reflexão, embora sua pobreza, jamais cobrou para ensinar. Mais do que colher ensinamentos de seus contemporâneos, buscou na sua alma, novos valores e sentidos para a natureza do homem. Sendo ele mesmo o laboratório onde se destilou a famosa inscrição do Oráculo de Delfos: conhece-te a ti mesmo (e conhecerás os Deuses e o Universo).

Sua crítica atingia os denominados sofistas, indivíduos cultos que pensavam somente em si mesmos ao se aproveitarem do conhecimento para tiranizar seus semelhantes. Mesmíssimo fato ocorrido nos dias atuais, com túnica diferente.

Por causa de seu desprendimento, de sua percepção profunda e farta ironia aos costumes atenienses, ele angariou antipatia e perseguição daqueles que se sentiam ameaçados por sua capacidade de “desmontar” engenhosas retóricas, baseado no seu famoso “só sei que nada sei”. Buscando, com isso, fazer o opositor olhar para si mesmo, por esgotamento da “máscara verbal” onde se esconde o eu sutil. Da mesma forma que o Mestre Jesus desarticulava os “jogos verbais” dos fariseus que procuravam fazê-lo cair em contradição.

Seu método não era “filosofar no vazio” ou o filosofante, termo cunhado por M. Heidegger, seu método se baseava nos critérios de funcionamento do conhecimento, descobertos por ele mesmo. Para esse Sábio o conhecimento é conhecimento da própria ignorância. Parece-nos óbvio; para se chegar ao conhecimento, nós precisamos, primeiramente, reconhecer que não sabemos sobre o que pretendemos conhecer. É a ignorância inicial. Mas não é tão simples assim.

Sócrates era o que podemos chamar de pensador prático, usando a racionalidade para vencer aquilo que pensamos ser racional, que é, muitas vezes, apenas automatismo narcotizado pelo ego. Para isso ele partia de seis princípios fundamentais, reinterpretados por mim:

1. Ironia – Quantas vezes deixamos os conceitos irrefletidos dominarem nossas ideias? Quando lemos, ouvimos música, assistimos televisão ou cinema, ouvimos alguém dizer sobre alguma coisa, ou incorporamos determinados slogans; será que os conceitos embutidos nessas atividades passam pelo crivo da ironia ou crítica, ou deixamos o barco do desconhecido navegar sabe lá de onde? A ironia é o primeiro passo da claridade que possamos dar para tudo aquilo que nos chega à mente. É o estado de desilusão do conhecido.

2. Maiêutica – Sua mãe, Fenáreta, era parteira. A atividade dela provavelmente inspirou a concepção da técnica maiêutica, que quer dizer “parto do conhecimento”. Posto que esse conhecido passou pelo crivo da ironia, e por cada um possuir a capacidade latente de desenvolver por si mesmo o que lhe ensinam, de organizar aquilo que percebe segundo o que possui em latência, o ser terá possibilidade de experimentar o conhecer não memorizado, pari-lo do fundo de si mesmo... criar! Aqui mora a criatividade. É o estado de salto do conhecimento, insight ou iluminação.

3. Introspecção – Para quê nos servirá esse salto do conhecimento? O subjetivismo de Sócrates implica como o ser funciona na profundidade; como se organiza interiormente; quais são as bases da percepção interna. Para isso o indivíduo precisará ter clara a essência de seus pensamentos: o que é de si e o que não é. Esse é o estado de autoconhecimento.

4. Ignorância – Ao se autoconhecer, o ser perceberá o quanto ignora e o quanto necessita conhecer ou adquirir ciência. Por ter bem claro o seu limite, por estar consciente da ignorância, procurará meios para o Conhecimento. Esse é o estado de humildade.

5. Indução – Essa humildade caminhará da parte para o todo. O ser saberá trafegar do conceito para a experiência efetiva do mundo, obtendo clareza sobre o que anteriormente era mera opinião. Esse conhecimento não tremulará ao sabor do tempo, ele se tornará atemporal, pois é resultado de uma solidez percebendo instantaneamente qual a qualidade dos conceitos surgidos, sabendo distingui-los sem se afetar. Esse é o estado da sabedoria.

6. Definição – Na sabedoria a expressão do conhecimento verdadeiro é então conseguida, é o produto final da caminhada do saber. Aqui o ser poderá definir o que é o estofo da realidade. Esse é o estado do desperto.

Seres como Sócrates são um perigo para a sociedade, portam os espelhos onde os homens, com medo de si mesmos, procuram se desviar do reflexo, aniquilando o portador do espelho. Por consequência de suas ideias revolucionárias, o filósofo foi acusado por três indivíduos de corromper a juventude e de negar os deuses da pátria. Abriu-se o inquérito e iniciou-se o julgamento. Foi então julgado pela Assembleia popular de Atenas, mediante o voto da maioria, à sentença capital: beber veneno (cicuta). Enquanto esperava no cárcere o cumprimento da pena, ensinou sobre a imortalidade da alma a seus discípulos, resultando no livro “Fédon”, escrito por um deles, Platão. Sócrates não deixou nada escrito. Em 399 a.C., aos 71 anos, ele se desliga da matéria. O Professor cumpriu sua missão.