O medo é uma casa aonde ninguém vai

Tem gente que faz de conta, ri para não chorar.Tem também quem toma as rédeas, controla, interfere. Tem gente que agride, tiraniza, ataca por precaução. Outros satirizam, disfarçam, tiram onda... como se tudo não passasse de piada de mau gosto. Tem aquele que se irrita, enfurece, adoece. Há quem fuja, despiste, gaste a energia de uma maratona para se ver livre. Enfim, há quem se vicie em correr riscos, como se a adrenalina do perigo camuflasse o verdadeiro risco.

Não importa. Qualquer que seja a atitude, certamente são só disfarces. Acordos que permitem seguir em frente.

Senão você não ia.

Certamente não enfrentaria a noite escura.

Semana passada começou a série "Sessão de Terapia" no canal GNT. Na chamada da série foi vinculada uma vinheta dizendo: "O que se esconde por trás dos medos?"

Pensando no assunto achei que a pergunta talvez devesse ser outra:

O que usamos para disfarçar nossos medos?

Porque medo todo mundo tem. O que muda é a forma com que cada um lida com ele.

No filme "Você vai conhecer o homem dos seus sonhos", de Woody Allen, o personagem vivido por Anthony Hopkins deixa a esposa após um casamento de 40 anos. Ele a troca por prostitutas jovens e num momento do filme há o comentário de que ele não suportou ver a esposa envelhecer diante de si, pois isso lhe remetia ao próprio envelhecimento.

Então teve que deixá-la porque era insuportável conviver com um espelho que o lembrava a todo instante a aproximação da morte. O roteiro é irônico, pois quando o sessentão imagina-se cheio de vigor, percebe que já não tem energia nem dinheiro para acompanhar o pique da mocinha por quem se apaixona.

Mas o "X" da questão está na forma como ele tentou despistar o medo: Fugindo.

Deixando a esposa driblou o medo que tinha de envelhecer.

Por mais que tentemos disfarçar, é complicado aceitar o ciclo da vida. A gente reluta em entender que pessoas entram e saem de nossas vidas e que em algum momento o equilíbrio dessa demanda vai mudar. Haverão mais saídas que entradas.

Acionamos nossos mecanismos de defesa quando percebemos que nossos heróis, pais, mães, cônjuges... e nós mesmos não somos eternos e aos poucos perdemos o vigor.

Temos medo. Medo de envelhecer, de não sermos amados, de perder quem amamos, de perder a nós mesmos. Medo da solidão, de ficarmos órfãos, de perdermos o juízo.

Podemos fugir. Ou reagir... Controlar_ para que tudo corra bem debaixo de nossas asas.

Domamos a situação_ como comandantes de um barco à deriva na tempestade_ e ficamos valentes, insistentes, intolerantes. Checamos o celular do namorado, cobramos amor, interferimos na vida de nossos filhos adultos, nos rebelamos contra o marido que não enxerga direito, ao pai que come espalhando migalhas pelo chão, à mãe que fala demais...

Mas a verdade é que mesmo acompanhados estamos sozinhos. E conviver com essa verdade assusta. Driblamos nosso abandono e desconhecemos nosso interior.

No fundo, no fundo, somos crianças brincando de faz de conta. Sorrimos para o espelho e temos medo de chorar. Medo que o choro dissolva nossa maquiagem e revele toda a dor.

A dor que vem do desejo de não sentirmos dor...