Brincadeira de Votar
Época de eleições. Época vivida também algumas vezes durante o dramático período negro da vida brasileira, iniciado a 31 de março de 1964 e concluído vinte anos depois. Período tristemente marcado por uma exorbitância de arbitrariedades, todas elas impunes até hoje. O que, de uma forma ou de outra, continua ainda acontecendo, embora não tanto “às claras” como durante a chamada Ditadura. Por oportuno, vale lembrar o fato de que recentemente conseguiu-se alterar o teor do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, desaparecido há 37 anos. Chamado a prestar declarações no II Exército, em São Paulo, esse cidadão dirigiu-se às dependências do órgão, tendo sido poucas horas depois encontrado enforcado. A hipócrita alegação de suicídio foi posteriormente desmascarada com a comprovação do assassinato de Vlado sob tortura.
Voltando às eleições. Durante boa parte do regime instaurado a partir de 64, a Arena, partido criado em 1965 para dar sustentação política ao governo militar, agregava o maior número de candidatos na época das eleições. Eleições que aconteciam para dar ao povo a idéia de que a democracia continuava existindo. As pessoas acreditavam que teriam mais chances de se elegerem pelo partido governista do que pela oposição. Aliás, ser de oposição significava estar marcado pelas altas patentes militares que ocupavam o poder. Agora acontece o mesmo. O PT é o partido que agrega o maior número de candidatos. Porque todos acreditam que assim têm maiores chances de serem eleitos. No Rio de Janeiro, por exemplo, o maior número de candidatos a vereador parece estar associado ao Prefeito atual, cuja eleição está praticamente garantida. Embora não pertença ele ao PT. Mas tenha o apoio do partido governista, merecendo inclusive inserções da própria Presidente da República em sua propaganda eleitoral no rádio e na TV.
Podemos considerar então que os candidatos, como sempre, procuram garantir a sua eleição. Respeitadas as sempre possíveis exceções, ninguém está ali brincando. Brincando de serem eleitos e trabalharem de fato pela comunidade do município que poderiam representar. Estão ali só para serem eleitos. Estão ali pelo cargo. Tanto isto é verdade que antes a maioria, para contar com maiores chances de se eleger, candidatava-se pela Arena. Que na época aparentemente nada tinha a ver com o vislumbre do que depois seria conhecido como PT. Hoje, quando os desígnios e práticas do PT praticamente se confundem com os da antiga Arena, quase todos procuram candidatar-se pelo PT. Ou estarem de alguma forma a ele associados. Por tratar-se do partido governista. Ou por acharem que a ele associados suas chances serão maiores. Ironicamente tendo essas pessoas agora grandes afinidades com as que se candidatavam pela Arena, considerando-se o objetivo maior de todos que é o de se eleger.
Naquela época, como até agora, devidamente acobertados pelo regime em vigor, ficaram impunes os nefandos atos cometidos contra cidadãos de bem, cujo único mal era professarem uma ideologia contrária à estabelecida pela Ditadura. Tendo-se implantado entre nós, como de resto nos países do chamado Cone Sul, um regime que atendia à propaganda elaborada no exterior. Termos como “Arena”, “subversivo”, “death squads” (esquadrões da morte), “guerrillas” (guerrilhas) e muitos outros faziam parte da cartilha a que tinham que se dedicar, por exemplo, os alunos de determinada escola no Panamá (School of the Americas), como em outros centros, constituída por orientação vinda do exterior. A gente sabe da onde.
Quem sabe se essa impunidade toda, instaurada principalmente a partir de 64, não se desdobrou na que se verifica nos dias de hoje? E por isso nos deparamos com os mensalões da vida, com dinheiro na cueca, com aviões cheios de dinheiro, com milhões do povo sendo utilizados para favorecer a governança dos que estão no poder, etc.? Muitos poderão alegar que hoje, pelo menos, as pessoas são julgadas. Com cobertura total pela TV. E que as mesmas práticas aconteciam na época discricionária e ninguém ficava sabendo. Só que ninguém também se surpreenderá se determinadas apurações que hoje acontecem acabarem numa glamourosa pizza. O que costuma acontecer. Porque, em todos esses desmandos com o dinheiro público, a bem da verdade, não podemos garantir que tenha ocorrido até agora o ressarcimento do erário. O que de fato interessaria à nação. As pessoas podem até ser presas – aparecendo logo depois uma habeas corpus para libertá-las –, mas a fortuna adquirida ilicitamente fica preservada. Claro que deduzidas as frações destinadas ao acobertamento da ilicitude.
Vamos então às eleições. Com essas pulguinhas na cabeça. Aliás, vamos, não. Somos obrigados a ir. O que não deixa de ser uma prática democrática controversa. O ato de votar deveria estar subjugado ao nosso livre arbítrio. Não deveria ser uma obrigação. Pois aí sairíamos de casa para eleger pessoas que possibilitassem a verdadeira modificação de um status quo por demais conhecido. Ou preferiríamos ficar brincando de outra coisa.
Maricá, 29/09/2012