Saltimbancos
O passado tem sabor de poesia, cheiro de melado, pés descalços, grito de mãe. Mas esconde medo do escuro, sentimentos indecifráveis, fantasmas esquecidos.
Porque a infância tem cara de pomar mas também de porão, e não dá para saborear o mel sem sentir ao fundo o gosto de fel.
Esse fim de semana estive em minha terra natal, no sul de Minas, onde fui visitar minha família, rever amigos e lugares.
Revisitando as ruas que foram testemunhas da minha infância relembrei personagens históricos do meu mundo, pessoas que povoavam minha imaginação como caricaturas de si mesmas, fazendo da rua um picadeiro e nós, seus artistas.
Senti nostalgia de um tempo onde aqueles personagens executavam suas ações com domínio, maestria e destreza. Hoje encontrei muitos idosos, perdidos na lentidão de seus pensamentos, esquecidos do encanto que exerciam. Outros, tive notícias de que já partiram_ cedo demais me adianto em dizer_ pois não faz tanto tempo assim que eram palhaços, saltimbancos, malabaristas da vida que levavam.
Mas a memória também traz de volta atiradores de faca, leões famintos, palhaços assustadores.
E a gente descobre que nem só de mel são feitas as lembranças. Que somos a soma dos medos, angústias e tabus também. Daquilo que não queremos revelar mas que se revela em nós.
De repente voltamos a ser crianças indefesas sem respostas diante da vida, saltimbancos sem argumentos perante o grande "Barão" que insiste em se materializar diante de nós, provando que crescemos, mas ainda temos medo. Somos livres, mas ainda vivemos no cárcere da emoção.