Um, casamento único

É festa e a vila adormecida medieval encravada naqueles vales, se engalanou toda. São vinhateiros, agricultores e criadores de ovelhas na grande maioria. E essa vida quase parada no tempo, ainda lhes dá oportunidade de conversa á porta com os vizinhos, crianças indo de bicicleta para o colégio e a maioria dos carros é utilitário que carrega animais e produtos pra feira.

Nos meses de verão, a vila é visitada por turistas do continente e ricos que têm casas de campo na colina. Só que o verão passou, os turistas se foram e eles retornam as suas vidas e costumes seculares.

Hoje é dia de festa e desde cedo, duas familias se preparam. Barricas de vinho á um canto do pátio de uma das casas e a grande cozinha onde são preparadas ovelhas, patos, aves e tachos de variados doces, dá a medida do valor daquele evento. Crianças acorrem pra lá, atraídos pelo cheiro e são prontamente instados a ajudar naquele corre-corre.

Já está quase na hora. Na igreja os sinos antiquíssimios de repente começam a badalar. O ar se enche daquele som, que ecoa pelo vale e é reconhecido nas vilas mais afastadas. Todos sabem o significado do som emitido. Um frêmito percorre o ar e todos parecem tomados pela alegria e solenidade do momento. É assim há séculos que ocorrem os casamentos dali. O sino chama os noivos.

Assim que os sinos se calam, todos parecem prender a respiração e ninguém vai ás ruas, exceto aqueles que estão preparados e farão parte do cortejo.

Numa certa rua, vazia e silenciosa, uma porta abre-se e uma noiva com longo véu que lhe cobre o rosto sai em passos firmes para a rua. Quatro casas adiante, como combinado, sai uma família engalada. Após esse sinal, á medida que ela atravessa a rua solene e a passos rápidos com os olhos fitos lá na frente, vão saindo pessoas das casas que a acompanham silenciosamente. Finalmente, no fim da rua, de uma casa sai uma orquestra de sopros que acompanha aquele outrora silencioso cortejo. Eles tocam uma musica delicada e festiva, e só então como num sinal, todos sorriem e se falam, andando alguns passos atrás da noiva que permanece inalterável. Ninguém pode falar-lhe e ela deve permanecer em silencio digno e altivo até o destino. Dobram a rua e da primeira casa surge o noivo, este já acompanhado de sua família. A música acelera e para abruptamente no momento em que ambos se encontram no meio da rua. Só então ela sorri e eles se dão os braços. Assim entrarão na igreja, já simbolizando publicamente que é seu desejo ratificar a união de duas pessoas que vieram de lugares diferentes e dali em diante traçarão o caminho juntos.

Encaminham-se a passos firmes e sincronizados com uma alegre banda tocando. A igreja e seus ritos e papéis só confirma. A simbologia começou desde a rua deserta onde ela se encaminhou resoluta e ele saiu para recebê-la.

Voltam, casados e devidamente acompanhados por metade da vila que os aguardava na igreja. Agora são sorrisos, acenar de mãos, conversas e a musica que eles vem dançando. A rua antes de portas fechadas, é agora um corredor de casa festivas acenando e recebendo o novo casal. De todas as janelas recebem pétalas, arroz e palavras carinhosas.

Na casa da noiva, um pátio adornado de bandeiras e enfeitado com braçadas de flores frescas os espera. Instrumentistas vestidos a caráter começam a tocar completando o som do cortejo que adentra a casa. Agora é só festa até a noite.