ATEUS E RELIGIOSOS PODEM SE ENTENDER?
Hoje me rendi ao “Programa do Jô”. Geralmente os convidados são mais chatos do que panqueca, mas lá estava o Dráuzio Varella. Admiro bastante o Dr. Dráuzio, por isso não mudei de canal. Entre diálogos sobre o seu novo livro, assuntos sociais e de Saúde, perguntado pelo Jô Soares, ele discorreu sobre o ateísmo. Não sou ateu, sou cristão, mas acredito que todos os agnósticos e ateus devem ser respeitados pelo Estado e pelos indivíduos. Da mesma forma que alguns ateus necessitam respeitar os religiosos de todos os matizes. Sem respeito mútuo, não há possibilidade de diálogo, e sem diálogo, só restam intolerâncias.
Parte das opiniões dele sobre a maneira de alguns religiosos é a mesma que eu tenho. Duas se destacam: a de que os religiosos, muitas vezes, tratam sua religião com a paixão e fúria das torcidas de futebol, e a segunda é a do senso comum imaginando que possuir religião é garantia de termos um bom cidadão. No mesmo instante me lembrei do possesso inquisidor-geral dos reinos de Castela e Aragão, Tomás de Torquemada, que justificado pela “fé”, promoveu o terrível banho de sangue no século XV. No outro vértice da minha memória surgiu o ateu Herbert de Souza (Betinho), o sociólogo do banho de luz sobre os desvalidos do Brasil. Apenas dois casos (extremos) em que religião e ações positivas nem sempre andam juntas.
Penso que concebemos em Deus a imagem mais pura percebida na vida, esperando que essa imagem corresponda à realidade nossa e do outro. Não temos capacidade, por exemplo, de entender elementos que se distanciam de nossa realidade mental: pensar objetos com mais de três dimensões; observar o intrínseco da matemática; perceber todas as frequências da luz, etc. Pela Onipresença estar longe de possíveis representações, de modo que cada um sente e localiza Deus segundo as próprias experiências, procuramos consciente ou inconscientemente convencer o outro da verdade de nossos quadros mentais intransferíveis. Mesmo que consigamos uma imagem avançada, estando laçada com as atuais questões da ciência e filosofia, mas por ser a ciência e a filosofia frutos de uma dada época, como darmos ao descrente a estampa de verdade última sobre a natureza de Deus, se existem avanços contínuos do conhecimento acumulado e da experiência humana obtida desse conhecimento?
Poder-se-ia mostrar ao outro como esse sentimento é para nós, de que maneira a fé interferiria em nossos caminhos, mas, mesmo assim, podemos fazer o outro entender, por exemplo, o sentimento (em qualidade e quantidade) que possuímos por determinada pessoa? E mesmo que essa também possua sentimentos pela mesma pessoa, saberíamos em qual grau estaria essa “qualidade” e essa “quantidade” em relação ao que sentimos? Haveria algum “sentimentômetro” capaz de medir a fé, estabelecendo o invariável e o relativo da experiência religiosa?
A fé é a forma de sentirmos Deus em nós (imanência), antes de ser a régua para estipular a verdade universal acerca daquilo que nos escapa ao entendimento (transcendência). Revelando, talvez, a medida do quanto necessitamos caminhar na direção do infinito.
A fé é dar contornos particulares ao indefinido, sendo que o despacho de sentenças condenatórias sobre os distantes do modo como sentimos essa experiência, talvez aponte a necessidade de nos observarmos mediante os mesmos critérios usados nesse julgamento.
Possivelmente, mesmo aquele que acredita em Deus, acreditará de forma diversa do outro, assim como comunicamos o concreto e o abstrato de acordo com os óculos únicos de nossa percepção.