Grandes Vergonhas, Pequenos Heroísmos
O que não me mata, torna-me mais forte.
Friedrich Nietzsche
Grande Vergonha: Estamos, ela e eu, no campus da USP, dentro de um táxi, após uma exaustiva viagem de avião, que implicou acordar de madrugada, fazer malas, hospedagem em hotel, decisões tensas e apressadas que aparecem em véspera de viagem. O táxi, estranhamente, roda por um campus deserto. Andávamos a buscar o prédio onde seria o Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia. Até que avistamos um guarda, para quem acenamos desesperadamente e ele veio até o táxi. Explicamos nossa aflição: o prédio do Congresso. Ele disse que não havia sido informado de evento algum, mas que iria se informar e já voltava. Cinco minutos depois voltou com a informação. Ao ouvirmos, ficamos um pequeno lapso de tempo em um lugar entre o limbo e o inferno: o Congresso era em novembro. Estávamos em outubro. Tínhamos ido para São Paulo um mês antes.
P. S.: É bem verdade que voltamos imediatamente para Rio Grande, dispostos a arcar com todas as despesas indevidas para o erário público. Lembro que, ao chegar na cidade, por volta das 21 horas, fomos direto até à casa do Sub-Reitor explicar o ocorrido e propor o ressarcimento das despesas. Ele falou, com uma calma que lhe era peculiar, que iria ver o que fazer na segunda-feira. Mais tarde fomos informados que não haveria ressarcimento.
P.P.S.: Até a semana passada achei que a história terminava aqui. Quando contei que iria escrever sobre isto, ela me informou que afinal a verdadeira história não era de vergonha e generosidade. O que havia mesmo acontecido era que a Reitoria não nos havia repassado a informação de que o Congresso havia sido transferido para o mês seguinte...
Pequeno heroísmo: A primeira sorte do menino foi que, devido a atuais violentas madrugadas pelotenses, dignas de Laranja Mecânica, alguém havia quebrado uma garrafa na frente da garagem de onde eu deveria sair com o carro. A esposa resolveu retirar alguns cacos de vidro maiores e eu fiquei esperando. A segunda sorte do menino foi: eu estar saindo bem naquela hora. A terceira sorte do menino foi: eu ter percebido verdade no seu semblante aflito, já que normalmente, por segurança, não dou carona para desconhecidos. A quarta sorte do menino foi: eu não ter batido, por um triz, em outro carro que passava por uma preferencial que eu tentei evitar e quase não consegui devido a derrapagem dos pneus molhados por uma chuva eventual, recém ocorrida. Se tivesse havido colisão, teríamos terminado a aventura por ali. A quinta sorte do menino foi que, o ladrão de bicicletas tinha dobrado numa rua movimentada, difícil de entrar, mas resolveu dar volta e atalhar por um campinho abandonado, o que me permitiu entrar com o meu carro. A sexta sorte do menino (e minha) é que o ladrão não estava armado. Se estivesse poderia ter puxado a arma e eu sairia correndo (se desse tempo). A sétima sorte do menino foi digna de cinema, para ser contada em câmera lenta: o menino, que era magrinho e de óculos, tipo nerd, desceu do meu carro com a fúria dos justos. O ladrão acelerou a bicicleta pelo meio do campinho, fugindo para salvar o seu produto, adquirido com muito suor, coragem e impunidade. E... (câmera lenta)... virou espetacularmente a bicicleta, entrando num buraco, saltando por cima dela e dando de cara no solo, numa prova cabal da existência de um poder superior. Fugiu em disparada, enquanto o menino recuperava sua bicicleta, que há pouco havia sido doada com sacrifício pela madrinha, como ele me contara, arfante, durante o curto trajeto que fizemos juntos. Eu, prevalecido, gritava para o ladrão: “Volta aqui, seu fdp, que tu vai ver!!” (de longe, é claro, que não sou nenhum Bullit).