Conservatória, RJ
Confesso que cheguei a ficar temeroso, ao resolver ir para Conservatória, pensando que iria passar dois dias ouvindo músicas do tempo do onça, cantadas por pessoas idosas, e esse não é exatamente o meu gosto musical.
Realmente, passei dois dias ouvindo músicas do tempo do onça, cantadas em sua maioria por pessoas idosas, mas em nenhum momento senti-me entediado.
As músicas eram as mesmas que eu ouvi durante toda a minha infância, quando a minha mãe deixava o rádio ligado praticamente o dia todo, pois não havia então a televisão. Bateu-me uma saudade imensa daquele tempo, e se um dia, aos nove anos de idade, comecei a aprender a tocar violão, foram aquelas as canções que o meu professor me ensinou primeiro. Lembrei-me de minha mãe cantando “A noite do meu bem”, com uma suave voz de soprano, enquanto eu a acompanhava ao violão. E foi impossível não me lembrar da lendária professora de Música de existiu em minha cidade, em um tempo que Música (com letra maiúscula) era matéria obrigatória nos quatro anos do Curso Ginasial. Por esta professora passaram todas as pessoas de minha faixa etária que estudaram no colégio do Estado, e em todos ficou a semente por ela plantada, de amor à Pátria e à boa música.
Chegamos a Conservatória às oito horas da manhã de sexta-feira. Ainda sonolentos e cansados da viagem de dez horas e tantas em um ônibus, entramos na Pousada Sol Maior, e já ouvimos a voz de um homem cantando. Era o Odilon, dono da pousada, que todas as manhãs abrilhanta o café da manhã com suas canções. Foi o tempo de tomar um banho, e sentar no salão de café da manhã, degustanto uma infinidade e iguarias e ouvindo a música do Odilon.
Depois, fomos explorar a cidade: há a rua que desce e a rua que sobe... Um casario colonial, lembrando muito as velhas cidades mineiras.De qualquer maneira, estamos a poucos quilômetros da fronteira de Minas Gerais...
O almoço foi em um restaurante agradável, onde , é claro, havia um senhor cantando, acompanhado por um violão e um pandeiro. Depois do almoço estava programado um passeio de ônibus para conhecer as cercanias da cidade.
Porém, antes de sairmos para esse passeio, tivemos uma grata surpresa! Eis que surge no saguão da pousada, de chapéu, anquinha e tudo, a própria Chiquinha Gonzaga! Naturalmente, para a emoção de todos, ela começou a cantar “Lua branca” a capella, uma voz suave e envolvente. Depois, tomou do violão e começou a cantar outras músicas. Lá pela terceira música, quando a artista já havia saído de sua personagem e começara a cantar outro repertório, comecei, baixinho, a cantar também. A música era “Tempos de Criança”, e ela chamou-me para cantar com ela. Aí cantamos juntos algumas músicas, desde “Quem sabe”, de Carlos Gomes a “Este teu olhar”, bossa-nova. Essa moça se chama Juliana Maia, é natural de Conservatória, formada em música, e faz shows temáticos, como o da Chiquinha Gonzga, e tem planos de fazer um sobre a Dalva de Oliveira e outros.
Terminado esse momento mágico, saímos a pé para conhecer o “Túnel que chora”, próximo à pousada, que abriga várias lendas desde os tempos dos escravos. Depois, de ônibus, fomos conhecer um alambique onde se produz cachaça e outros derivados da cana-de-açúcar, a Ponte dos Arcos, e Serra da Beleza. O nome é redundante, pois o que se avista desde os mirantes é de tirar o fôlego!
Voltando à cidade, fomos conhecer o Museu de Vicente Celestino, que tem também um acervo sobre Gilda de Abreu, a esposa de Vicente, Nora Ney e Jorge Goulart e Ademilde Fonseca.
Voltamos para a pousada para descansar e mais tarde tomar um Creme de Ervilhas. Daí, rumamos para o Centro Cultural, onde haveria mais cantoria, no formato de um sarau.
Os turistas, sentados em cadeiras arrumadas em um salão repleto de fotografias, assistem aos senhores e senhoras que cantam e recitam poesias, e o que achei interessante, é que não existe o compromisso com o acerto ou com a perfeição; o importante é expressar os sentimenos por meio da arte que cada um sabe fazer. Finalmente, é aberto espaço para os visitantes, e fui convidado para cantar mais um pouco.
Às 23 horas em ponto, todos saem para a rua, para a tradicional serenata. Os mesmos que cantaram no salão continuam cantando na rua, e entre uma música e outra, e vez em quando alguém recita uma poesia. E uma multidão os acompanha pelas ruas da cidade, tendo como testemunha uma maravilhosa lua cheia! E ficamos sabendo qe naquele dia estávamos sendo testemunhas de um fenômeno sobre o qual eu jamais ouvira falar: a lua azul, que acontece de tempos em tempos, quando em um mesmo mês a lua cheia aparece duas vezes. Sorte nossa!
Depois de uma noite de sono, somos acordados às sete e meia em ponto pelo Odilon cantando no café da manhã.
Depois, já tendo conhecido tudo o que havia para ver, voltei sozinho ao Museu do Vicente Celestino, onde fiquei basante tempo, a observar aquelas relíquias, e fui conhecer o Museu de Nelson Gonçalves e Silvio Caldas.
No almoço comi um fantástico frango caipira com angú e quiabo.
Após o descanso da tarde, à noite fomos ao restaurante onde estava cantando a Juliana. Ali também fui convidado para cantar com ela.
Na manhã seguinte, após um café da manhã mais rápido, fomos à missa. Nunca vi uma missa assim! O cântico de entrada é “Emoções” do Roberto Carlos, o cântico da Consagração é “Eu sei que vou te amar”, de Vinicius de Morais, o cântico da Comunhão, “Carinhoso”, de Pixinguinha, e por aí afora...
Depois, a volta, com o coração cheio de boas recordações e gratas surpresas, com a certeza que não existe vida sem música, principalmente, boa música!
Hermes Falleiros
08 de setembro de 2012,
uma semana depois de ter passado um fim de semana em Conservatória.