O prumo e as asas.
O cenário é agradável, uma boa casa, um jardim amplo, em bairro residencial.
Crianças brincam com uma bola e na sala, ela sentada calmamente diante de uma pilha de tecidos, começa a cortar roupas.
Como costureira, enquanto os filhos pequenos jogam bola, ela recebe clientes, faz provas de roupas e costura. Seu mundo é esse, seu horizonte vai até o jardim e retorna para os tecidos e suas cliente exigentes..
Ele chega em casa e a cumprimenta com um carinho distraído, enquanto passa os olhos pelo jardim, como se tentando reconhecer, abarcar aquele mundo.
Parece a placidez de um lago de águas claras, onde se vê até o fundo. Esta sala de onde se vê o jardim e as crianças, parece um belo quadro, congelado. Ele pensa numa natureza morta e se espanta com o pensamento insólito. Afasta a ideia, olha de novo. Tudo ali respira tranquilidade e ele solta um suspiro. Está cansado, a vida lá fora é uma guerra e ele tem sua guerra íntima agora.
Olha pra ela de novo e se pergunta como ela consegue manter aquela calma, indiferença, placidez. O mundo dela é ameaçado e ela continua alheia. Sorri do pensamento tolo, afinal ela de nada sabe.
Do outro lado da cidade ele se encontra com outra. São encontros cheios de tensão, que lhe deixam um travo de pesar. Ama a esposa, mas esta,... bem, ela enche algo, é seu lado obscuro, não é uma tranzinha fortuita, ou algo que passe pelos frouxos códigos sociais sem culpa. É sua paciente. É uma questão ética.
A esposa é âncora, esteve ao seu lado nos piores momentos, é amor de juventude, é amizade selada, é o alicerce da casa. Como prescindir de alicerce?!
A amante é o fogo, o papo sobre temas que a esposa jamais discutiria, o poder ser ele mesmo, a tara, o cheiro de mar selvagem batendo em rochas. Ele adora o mar, desde criancinha.