A princesa na torre

Ela dorme e dorme e dorme.

Há séculos ela dorme placidamente naquele leito de sedas, velada pelo dragão.

Lá fora a torre outrora coberta de ramos floridos foi engolida por uma vegetação lenhosa, que a esconde de olhos indiscretos. As pedras ciclópicas da sua construção estão limosas, cobertas de líquens que se confundem com a paisagem ao redor.

Só os sons da floresta reverberam por ali.

A um mero passante, ela fica despercebida.

Nada toca a quietude silente da torre e o único som ali é um ressonar profundo da sua ocupante. Nada perturba aquilo e o tempo voou...

A princesa de nada sabe, nada vê, nada ouve em seu leito, mas espera... e dormindo espera.

E o tempo voa...

O dragão encarregado da guarda mantém olhos vigilantes e perscruta a planície ao longe, até onde os olhos podem alcançar.

Nada muda e ele mantém seu posto inalterado, sem perceber que ele também espera.

Um barulho quebra o som da floresta e na torre há um estremecimento de expectativas alcançadas.

A princesa que placidamente dormia, se remexe inquieta e o lençol escorrega, enquanto lá embaixo o dragão resfolega finalmente vivendo aquilo para o qual se preparou nessas centenas de anos.

Ele infla o papo, afia as garras nervosas na pedra, testa as asas e solta uma baforada pra ver se a chama é boa. Quase engasga pela falta de hábito. Ensaia passos nervosos se preparando pra receber o intruso.

Enfim, ele veio, enfim a espera acaba, enfim ele poderá viver aquilo que era seu papel. Não treinou em todo esse tempo. Viveu a espera, viveu a quietude, viveu a certeza de que quando esse dia chegasse, seria o ápice. Seria O MOMENTO.

O barulho se intensifica ao mesmo tempo que se aproxima.

O dragão se ergue, ruge, solta uma labareda e arrememte resoluto... não pra fulminar o intruso, o rival nos seus afetos, aquele que lhe tiraria a razão de viver, mas parar cumprir o papel que dele se esperava.

E o principe surge na clareira sem hesitação, enquanto sons e fogo enchem to vazio outrora silencioso.

Na torre a princesa se revolve e parece emergir para novamente mergulhar no sono profundo.

Todo o barulho cessou e o principe assoma à porta.

A delicada figura deitada parece alheia a tudo, e ele a contempla absorto.

Nada sabe de como chegou ali, mas agora sabe que pra esse momento viveu.

Aproxima-se, beija-a e ela desperta. Lá embaixo, os galhos retorcidos começam a murchar, os líquens se transformam em flores, as pedras cintilam a um sol que só agora surgiu.... e tudo porque ele chegou...

Pronto, saem da torre, a prisão foi saqueada, o resgatador chegou, a vida começa agora.

Até então ela dormira. Agora ela vive. Esperou pra isso.

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Escrito baseado no relato de alguém que conhece uma jovem que vive dessa forma. As paredes da casa são as torres e o dragão... bem ele está dentro dela e não fora. Espera o principe que poderá libertá-la. Esse não existe porque o que ela espera dele é inalcançável.ninguém pode suprir o outro dessa forma. Ela permanecerá na torre.