Boa sorte, chef Alfredo 


Faz uns nove dias que o Fred’s Burger baixou definitivamente suas portas de aço. Uma perda e tanto para os moradores do bairro, sobretudo os mais jovens, e para este cronista, sem dúvida. A cruzada antiobesidade deve estranhar essa última afirmação, mas estou pensando é no astral e na localização da lojinha, não nas calorias dos sanduíches e quitutes de chef Alfredo. 

Desde junho, quando voltei do insulano Jardim Carioca para Marechal Hermes, não ia a outro lugar a fim de refrescar a cuca. Três ou quatro noites na semana eu ocupava uma das mesas no terraço, onde sempre encontrava um ou outro companheiro dos velhos tempos, comia a minha empada, bebia a minha água tônica, fumava o meu cigarro, além dos momentos em que o próprio chef Alfredo podia respirar um pouco e vinha juntar-se a mim para um bate-papo. (Da vez derradeira, quando me confirmou que estava encerrando suas atividades naquele ponto, presenteou-me com os cinco volumes encadernados da História do Brasil de Rocha Pombo, de 1947, e uma bem-cuidada edição francesa da Bíblia. Cabotinismo à parte, dá para sentir o prestígio do cronista.) 

Em torno, algum movimento de todas as idades no adro da igreja católica, a dois passos dali, nos jardins burle-marxianos do nosso teatro, no terminal do 378 e nos dois botecos de esquina ali próximo. De tudo: casais de namorados, antigos e novos moradores em suas idas e vindas, trocadores e motoristas, gente sóbria, pinguços, mendigos, cães sem dono... 

Muitos cães sem dono, por sinal, que farejavam no sino das sete horas o instante em que o Nelson do açougue, antes de encerrar o expediente, enfiava pedaços de carne num saco plástico e o entregava a chef Alfredo, para que este organizasse o cotidiano banquete daqueles pobres cães-de-andarilho embaixo de uma figueira secular do outro lado da rua. 

Fico imaginando a cabeça deles agora ao ver a loja fechada, sem o benfeitor dos últimos sete anos por perto. A perplexidade dos cães, em situações como essa, só pode ser de desamparo e derrelicção. Ouvem o sino da igreja na hora costumeira, vêem o Nelson do açougue se preparando para ir embora, sem nenhum saco de plástico na mão, e percebem que não há mais chef Alfredo na parada, nem a divertida farra de todas as noites ao pé da velha figueira. Não sei como é esse negócio de cair na real no mundo canino, mas deve ser uma merda. Vão explicar a eles que o nosso bom amigo quebrou, depois de resistir o quanto pôde, e que o jeito agora é latir em outra paróquia... 

De qualquer modo, não os tenho visto no pedaço. Saio para as minhas longas caminhadas por Marechal Hermes, que este ano ficou sem carnaval e parece uma cidade-fantasma em plena terça-feira gorda, e ainda não topei com nenhum deles. Onde se meteram? Calculo que estejam rondando os bairros circunvizinhos — Bento Ribeiro, Valqueire, Honório Gurgel — onde a prefeitura mandou instalar coretos, caixas de som e barraquinhas para os bailes populares. Pelo menos, assim espero, terão o que comer enquanto durar a folia nesses logradouros. 

Quanto a mim, perco o meu privilegiado posto de observação e a melhor empada do subúrbio. Já falei sobre isso em “Convite ao Fred’s Burger”, quando ainda nem me passava pela cabeça que a loja ia fechar. Mas fechou. E agora é só saudade.


[20.2.2007]