RUMINAÇÕES
Quando era menino, lá em Mossoró, minha rua ainda não era calçada, como, aliás todas as ruas e praças da cidade. Então, nascia no seu chão, de cada lado, um matinho, um capim, que o gado, as vacas criadas em currais vizinhos, vinham, à noite, em passadas mansas e lentas, balançando os seus chocalhos dolentes, comer, pastar. Às vezes, costumavam se deitar no chão e, num processo natural, iam regurgitando o que já estava no estômago, e ficavam ruminando, os fios de baba escorrendo pelos cantos da boca. E assim ficavam, até que os primeiros clarões da aurora anunciassem um novo dia. Elas, instintivamente, retornavam aos seus currais.
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Em tardes como esta, com o céu atapetado de nuvens brancas esparsas, que um vento brando tange em direção desconhecida, tardes em que se apodera de minha alma uma irresistível nostalgia, meu espírito costuma ficar, também, como um animal vacum, ruminando coisas das fases de criança, da adolescência ou da mocidade, mas que parecem vir do começo dos tempos. Acontece - e isso me causa estranha sensação – que, nessas ocasiões, acontecimentos misteriosos acorrem também à minha lembrança, envoltos em uma aura que não sei interpretar.
Em vista disso, depois de um demorado período fora de qualquer atividade intelectual, de escrever qualquer coisa, até mesmo sem ler, por motivo de força maior – isto é, de saúde, veio-me a vontade e a disposição de escrever esta pequena crônica.
A minha memória está evocando os antigos amigos que não sei por onde andam. Tantos já se foram que agora me fazem uma falta insuportável. Fico, então, repassando-os um a um, como numa chamada sombria e ao mesmo tempo reconfortante, pois, na medida em que os relembro, em que sua imagem como que vem à minha presença, é como se eles, milagrosamente, revivessem. Meu Deus! quantos amigos, companheiros de brincadeiras e de aventuras, já partiram. É por isso que, frequentemente, esta saudosa solidão se apodera de mim e me maltrata. E não tenho como libertar-me dela; pelo contrário: parece que a cada dia ela aumenta mais. Não fora Deus ter me dado uma família numerosa, meu sofrimento seria talvez insuportável. Onze filhos, genros e noras, dezessete netos e sete bisnetos até agora; não fora esse presente especial, essa benção, penso que já teria morrido de tédio.
Quando eu ainda morava em minha saudosa Mossoró, tive um vizinho, um casal simpático e de prestígio social. Um dia, ele, numa viagem à praia de Tibau, onde estavam veraneando, faleceu, vítima de um infarto. E sua esposa, que era nossa amiga, ficou assim, inopinadamente sozinha, morando num casarão. E eu às vezes ficava pensando: meu Deus! Quanta saudade deve sentir essa boa mulher. Mas, poucos meses depois, ela se mudou para uma casa pequena, aqui em Natal, onde morreu de tristeza, certamente mais de solidão.
Pois é: assim é a vida. Não só o dinheiro, o prestígio social e político e os amigos são suficientes para preencherem o vácuo que, às vezes, nela se forma. É preciso ter filhos, saber educá-los e ser seus amigos. Eles prolongam a nossa existência, dando-nos genros e noras, netos e bisnetos, uma família numerosa, que passa a ser a razão de nossa luta.
Mais uma vez digo: Deus foi e continua sendo muito generoso comigo, muito mais, talvez, do que eu mereço. E constantemente lhe agradeço por isso. Essas tardes de nostalgia são do meu temperamento. Desde a infância, embora feliz, que sou assim. E falo sobre isso em meus livros. Talvez seja um tanto hereditário: meus pais recordavam sempre, com muita saudade, a sua terra distante, seus pais, seus irmãos e seus costumes.
Pois o belo céu desta tarde mexeu com minha sensibilidade, com minha alma, levando-me a escrever, inesperadamente, esta crônica tão desnecessariamente sentimental.
Mas, assim é a vida...