AS CANÇÕES QUE ME NINARAM
Não sei a quem devo ou a que se deve a minha fascinação pelo passado. Persiste em mim uma vaga lembrança aquém do meu tempo, de onde vem a saudade do não vivido. Se digo que não me interesso por investigar quem fui noutra existência, por vezes me contradigo com um súbito desejo de regressão. Mas, se a incerteza desperta-me curiosidades, o medo me detém. Na dúvida, prefiro imaginar-me um príncipe, alguém de bom sangue, alma nobre, mesmo que sem posses, mas de quem tenha herdado alguma fidalguia. Também não sei por que suponho isso. Alguém que já fui talvez se me apresente quebrando-me presunções. Aqui, onde e como estou, basta-me ser o que presumo, pois o que sou, de fato, é contrário a mim mesmo e ao que o outro pensa.
Antes, pois, de haver pensado eu ser deste ou daquele pensamento, nada sei de um nem de outro. Não morri, não sou vidente, não me aventurei na regressão. Nem a vida nem a morte fariam sentido se não constituíssem dois mistérios.
Calma, leitor. Já te respondo o que tem a ver tudo isto com as canções de ninar. Não pressuponhas o que te parece o preâmbulo.
Tempos houve em que tive duas mães. A que me deu a luz, e ainda está comigo; e a mãe de meu pai, a quem jamais chamei de avó, mas sim, de mãe. Mãe Carlota. Por ambas eu fui criado e amado. Mas pela segunda, mimado. Minha mãe biológica educou-me, disciplinou-me. Minha mãe Carlota dava-me banho, cuidava-me, punha-me para dormir, ninava-me. E, ao embalar-me, cantava canções antigas do seu tempo. Algumas tristes, às vezes, que eu nem as entendia, mas faziam-me dormir. Lembro-me de uma que ainda hoje soa tristemente em minha alma e me faz suspirar fundo: Coração Materno. “Disse o campônio à sua amada, minha idolatrada, diga-me o que quer...” Quando a ouço, numa gravação do Caetano Veloso, choro.
Era deliciosamente belo e triste aquele embalo. A figura morena e calma, de olhos e cabelos negros, com voz grave e expressiva a cantar “Aço frio de um punhal foi teu adeus pra mim./Não crendo na verdade, implorei, pedi”. A cada frase a melodia cortava o silêncio da noite. “Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar!”... Eu me lembro das que mais me marcaram e me ponho a viajar no pensamento. Tento entender o porquê daquelas canções, o que elas significaram para Mãe Carlota. E me dói essa saudade dela.
Canta aquela, mãe! Qual meu filho? A da serra... E mãe Carlota soltava a voz: “Serra da Boa Esperança,/esperança que encerra/No coração do Brasil um punhado de terra...”
Não sei mesmo explicar tudo isso. Só sei sentir. Sentir vontade de ver e ouvir de novo. A isto se chama saudade. Meu avô era músico. Tocava violão e bandolim. Apaixonado por poesia, musicou um poema de Castro Alves, - O Laço de Fita - que mãe Carlota cantava:” Não sabes criança/Estou louco de amores/prendi meus afetos, formosa pepita/Mas onde? No tempo? no espaço? nas névoas? Não rias! Prendi-me num laço de fita”.
Mas a música que mais se faz presente em mim e me traz vivas lembranças de minha mãe Carlota, é esta cujo refrão embala o Brasil: “Na carícia de um beijo que ficou no desejo, boa noite, meu grande amor”.
Vale a pena ver e ouvir>
http://www.youtube.com/watch?v=LDPtPazaUNs
BOA NOITE AMOR
Boa noite amor
Meu grande amor
Contigo sonharei
E a minha dor esquecerei
Se eu souber que o sonho teu
Foi o mesmo sonho meu
Boa noite amor
E sonha enfim
Pensando sempre em mim
Na carícia de um beijo
Que ficou no desejo
Boa noite
Meu grande amor
E chega por aqui. Não dá mais!
Não sei a quem devo ou a que se deve a minha fascinação pelo passado. Persiste em mim uma vaga lembrança aquém do meu tempo, de onde vem a saudade do não vivido. Se digo que não me interesso por investigar quem fui noutra existência, por vezes me contradigo com um súbito desejo de regressão. Mas, se a incerteza desperta-me curiosidades, o medo me detém. Na dúvida, prefiro imaginar-me um príncipe, alguém de bom sangue, alma nobre, mesmo que sem posses, mas de quem tenha herdado alguma fidalguia. Também não sei por que suponho isso. Alguém que já fui talvez se me apresente quebrando-me presunções. Aqui, onde e como estou, basta-me ser o que presumo, pois o que sou, de fato, é contrário a mim mesmo e ao que o outro pensa.
Antes, pois, de haver pensado eu ser deste ou daquele pensamento, nada sei de um nem de outro. Não morri, não sou vidente, não me aventurei na regressão. Nem a vida nem a morte fariam sentido se não constituíssem dois mistérios.
Calma, leitor. Já te respondo o que tem a ver tudo isto com as canções de ninar. Não pressuponhas o que te parece o preâmbulo.
Tempos houve em que tive duas mães. A que me deu a luz, e ainda está comigo; e a mãe de meu pai, a quem jamais chamei de avó, mas sim, de mãe. Mãe Carlota. Por ambas eu fui criado e amado. Mas pela segunda, mimado. Minha mãe biológica educou-me, disciplinou-me. Minha mãe Carlota dava-me banho, cuidava-me, punha-me para dormir, ninava-me. E, ao embalar-me, cantava canções antigas do seu tempo. Algumas tristes, às vezes, que eu nem as entendia, mas faziam-me dormir. Lembro-me de uma que ainda hoje soa tristemente em minha alma e me faz suspirar fundo: Coração Materno. “Disse o campônio à sua amada, minha idolatrada, diga-me o que quer...” Quando a ouço, numa gravação do Caetano Veloso, choro.
Era deliciosamente belo e triste aquele embalo. A figura morena e calma, de olhos e cabelos negros, com voz grave e expressiva a cantar “Aço frio de um punhal foi teu adeus pra mim./Não crendo na verdade, implorei, pedi”. A cada frase a melodia cortava o silêncio da noite. “Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar!”... Eu me lembro das que mais me marcaram e me ponho a viajar no pensamento. Tento entender o porquê daquelas canções, o que elas significaram para Mãe Carlota. E me dói essa saudade dela.
Canta aquela, mãe! Qual meu filho? A da serra... E mãe Carlota soltava a voz: “Serra da Boa Esperança,/esperança que encerra/No coração do Brasil um punhado de terra...”
Não sei mesmo explicar tudo isso. Só sei sentir. Sentir vontade de ver e ouvir de novo. A isto se chama saudade. Meu avô era músico. Tocava violão e bandolim. Apaixonado por poesia, musicou um poema de Castro Alves, - O Laço de Fita - que mãe Carlota cantava:” Não sabes criança/Estou louco de amores/prendi meus afetos, formosa pepita/Mas onde? No tempo? no espaço? nas névoas? Não rias! Prendi-me num laço de fita”.
Mas a música que mais se faz presente em mim e me traz vivas lembranças de minha mãe Carlota, é esta cujo refrão embala o Brasil: “Na carícia de um beijo que ficou no desejo, boa noite, meu grande amor”.
Vale a pena ver e ouvir>
http://www.youtube.com/watch?v=LDPtPazaUNs
BOA NOITE AMOR
Boa noite amor
Meu grande amor
Contigo sonharei
E a minha dor esquecerei
Se eu souber que o sonho teu
Foi o mesmo sonho meu
Boa noite amor
E sonha enfim
Pensando sempre em mim
Na carícia de um beijo
Que ficou no desejo
Boa noite
Meu grande amor
E chega por aqui. Não dá mais!