Alice no país das compras
Ela entra balouçante na loja, apesar do peso das muitas sacolas.
É bonita, cativante, paparicada pelo marido e se esbalda com o cartão dele.
Agora é a apoteose. Ela está autorizada e respaldada pelo limite do cartão dele, pra olhar um carro pra comprar.
Um funcionário da loja, vem solícito naquele jeito peculiar de quem tem que vender e aproveita porque a pretensa compradora é uma jovem bonita.
Ela olha os carros e o vendedor inicia o diálogo cliente/vendedor.
ELA: Moço, eu queria um carro bacaninha, assim... não muito pequeno... quatro portas...
Bem vago, mas ele está lá pra advinhar o desejo dos clientes e faz uma car de quem entendeu tudo.
VENDEDOR: Claro, senhorita.
ELA: Senhora, por favor. O carro é só pra mim porque meu marido tem o dele, mas tem as crianças...
VENDEDOR: Claro, desculpe. - E ele olha no meio daquelas bijouterias todas, tentando ver uma aliança de dimensões desprezíveis. Concentra-se de novo na sua fala de características do véículo, sua peformances, excepcional qualidade e blá-blá-blá.
Ela olha meio aparvalhada e recobra o domínio das faculdades de sedução que lhe são próprias e não têm nenhum objetivo libidinoso; é tão somente o que ela aprendeu que era seu papel e tem terreno pra treinar em casa mesmo, haja vista ser essa a sua moeda de troca. Na verdade é uma criatura encantadora no seu normal, mas como uma consumista de carteirinha já desenvolveu um charme próprio pra ocasiões como esta.
ELA: Olha aquele vermelhinho, lindo! Eu pensei naquele.
VENDEDOR: Claro – E se adianta solícito porque o vermelhinho lindo agrega alguns milhares a mais. Abre a porta teatralmente, começa a elencar a eficiência do carro, reclina bancos, mostra a qualidade dos estofados e convida-a a entrar.
Ela está encantada e toda coquete se contorce na saia de dimensões econômicas pra entar no carro sem mostrar mais centímetros de perna.
Se apruma, olha pra aquele painel cheio de detalhezinhos, se deleita com a maciez do banco estofado em couro, olha pra o câmbio, estranha algo.
O vendedor já está a seu lado, falando das vantagens do câmbio automático e da garantia e da beleza das rodas de design especial encomendado à um grande estilista.
Ela parece acordar do devaneio em que entrou desde o momento em que se instalou naquele banco maravilhoso. A palavra estilista toca uma tecla sensível na mente dela e de chofre ela pergunta ao vendedor.
Quanto custa esse carro?!
O valor não é mencionado logo, pois ele continua a desfiar as inúmeras vantagens daquele modelo e de como ele será perfeito pra ela.
ELA: sim, moço, mas eu ainda não sei o preço.
VENDEDOR: Pois não, senhora. - E se concentra na sua planilha e calculadora. Pigarreia, faz uma cara muito profissional, ergue as mãos abarcando a beleza de tudo aquilo e dá de cara com uma cara bem séria, da que antes era só coqueteria.
VENDEDOR: Claro, senhora. É $$$$$$$.
Ela abre a boca, sai do carro como se estivesse sendo perseguida, pega a bolsa e antes que ele consiga se aprumar e tecer considerações financeiras, ela já está saindo da loja.