Só gosto de comer o que comia quando criança.
 
 
“O homem só gosta do que comeu em criança” disse o advogado e boêmio carioca Aloysio Salles a Nelson Rodrigues, mas a mim quem disse foi Ruy Castro em sua crônica “Tem uma pimentinha aí?” publicada na Folha.  Eu me encantei porque é uma de minhas inúmeras teorias deduzida de prática pessoal e bem explica o meu jeito de gostar de comida. Helena minha amiga disse que sou uma chata para comer e eu discordei, é claro. Não sou chata, sou seletiva e nada gourmet. Fico feliz com um prato de arroz branco e couve mineira e não coloco caviar na boca. (Só se for de mentirinha, como quando servi arroz negro com salmão e falei que era caviar). Ela disse isso porque em recente jantar tudo o que me era oferecido eu recusava: Guisado de Coelho? Não como coelho. Paleta de Cordeiro?  Não como carneirinho. Então qual pizza você quer? Só como a Calabresa.

Todo esse assunto vem à baila por causa do que aconteceu em recente jantar com um grupo de amigos. A escolha do Restaurante seria minha e eu escolhi um bistrô, coisa fina. Um lugar agradável e conhecíamos a comida da chef de um jantar anterior e havíamos gostado muito. Por precaução fui conversar antes com a chef que explicou direitinho como o bistrô funcionava: três opções de pratos individuais (uma carne, um peixe e um vegetariano) entradas, saladas e sobremesas e ainda pizas, preços razoáveis. Seríamos quinze, fomos dez, um grupo harmonioso que foi chegando aos poucos. Pedi um suco de frutas frescas, laranja, não tinha. Pedi um suco em lata, light ou diet, não tinha. Recentemente saída de um mal estar que me levou para o hospital, não queria beber nem cerveja nem vinho, então pedi uma coca zero.

Apesar do contratempo com a bebida estava tudo legal. Eu já havia me decidido que comeria o vegetariano, Então após longas confabulações partimos para a entrada – Rolinhos de massa folhada recheados com bacalhau (bacalhau e sardinha em lata são os únicos aquáticos que como – pois já comia quando criança). Pedimos porções suficientes para todos se fartarem na Entrada, mas quando os rolinhos chegaram vieram também com um pedido de desculpas: trouxeram todos os que tinham: oito unidades. Mais do que depressa eu peguei o meu e quem ficou sem perdeu: Divino, de comer ajoelhado e pedir mais, muito mais. Só que não tinha. Não tinha o vegetariano, que acabei nem sabendo qual era, não tinha o Filé ao Molho de Pimenta e então de repente todo mundo decidiu pedir pizza, em solidariedade, mesmo os que planejavam o cordeiro e o coelho. Mas tinha pizza calabresa? Não.

É lógico que reclamei, não seria eu se não reclamasse oficialmente, mas de maneira nenhuma eu estava brava. Inclusive, trabalhando com alimentos sei como é compreensível faltar coisas que não deveriam faltar. Estava triste porque queria um jantar perfeito que pudesse se repetir mais vezes. As Pizzas pedidas estavam deliciosas, foi a voz geral. Finíssima, como uma hóstia e saborosíssima. Todo mundo se deleitou e houve um troca troca generalizado. Comi pizza? Não, eu só como Pizza Calabresa. Mas comi um calzone recheado de calabresas de dar inveja a todos. Vou voltar lá? Claro que vou, quantas vezes tiver oportunidade. No final ninguém saiu de lá com fome (só um) e é certo que todos voltarão. E nem precisava que a chef passasse em minha Fábrica de Pães para pedir desculpas e oferecer um jantar de graça para todos. É claro que não voltaremos lá para comer de graça, mas todos do grupo saberão desse gesto delicado e certamente prestigiaremos esse bistrô, coisa realmente fina nesse modismo em que se transformaram os restaurantes – Self service.