Ensaio geral 


Não é de hoje que estou de olho numa rita-baiana que todas as manhãs, por volta das nove, desce do alto da rua Ericeira para o confuso trânsito da estrada do Galeão, onde pega o seu ônibus para o trabalho. 

Quando me ponho à janela da minha sala de estar sozinho, e ela passa lá embaixo, do outro lado da rua, sempre dá um jeito de virar discretamente a cabeça para cima e esboçar um sorriso entre maroto e acanhado, que encorajaria os mais afoitos. Mas coisa muito rápida, e tão sutil, que um bungee-jump do cronista nessas condições seria inteiramente inconcebível. Eu poderia quebrar a cara, mesmo que não houvesse nada de errado com o salto e o equipamento. 

Há dois meses, quando eu ainda não estava com lentes de contato novas, minha rita-baiana não era mais que um borrão em movimento na calçada, embora com um balanço que já deixava adivinhar todas as virtudes da sensualidade nagô. É passista da União da Ilha, e anda saracoteando por lá, no meio de celebridades carimbadas que dizem menos no pé e no corpo do que ela. Com toda a certeza, nunca saiu como destaque na escola, e aposto que deu um duro danado em 2005 para pagar a fantasia que usará no Sambódromo, nesse empenho quase fundamentalista da cor para trazer a União de volta ao grupo especial das escolas de samba. Se depender dela, já voltou; ninguém vai segurar essa negona linda quando o grito de guerra soar na concentração. Esperemos em Momo, como diz o outro. 

Estou torcendo daqui, minha querida, com uma bandeirinha da escola na mão direita e o olhar desatento a tudo que não sejam os seus passos de princesa anônima na avenida. 


[Ilha do Governador, 18.1.2006]